sexta-feira, julho 12, 2019

A PROPÓSITO DE IGUALDADES


Nasci a 304 km da universidade mais perto, vivi numa residência universitária dos serviços sociais da Universidade Clássica de Lisboa e durante esse tempo contávamos os tostões para as refeições na cantina universitária, para o passe social e para uma ou outra refeição barata ao domingo, quando as cantinas estavam fechadas.

Conheci estudantes muito pobres vindos de aldeias remotas e isoladas ou estudantes da Guiné Bissau vindo ao abrigo da cooperação. As dificuldades de alguns eram mais do que muitas, os africanos passavam anos sem irem ver as famílias, os portugueses iam a casa nas férias do Natal, da Páscoa e no verão, as viagens eram caras, longas e cansativas.

Quase todos terminaram cursos superiores, tenho  encontrado alguns por esse mundo, licenciados em direito que foram para magistrados e ocuparam altos cargos no Estado, médicos, engenheiros. Foram raros os casos de insucesso, da mesma forma que nunca registei quaisquer conflitos étnicos ou raciais na Residência Universitária Ribeiro Santos, na Av. Dos Estados Unidos da América. Aliás, o único estudante com tiques racistas era um mulato de origem moçambicana.

Hoje vivo relativamente perto dessa residência, quase do outro lado da estrada em relação à universidade e a poucos metros de bairros sociais. Num bairro social conheço que seja filha de um desempregado e de uma empregada doméstica e vá para a universidades privada de carro. Curiosamente a universidade fica a 200 metros do meu emprego e eu venho a pé ou uso transportes públicos.

Não critico a rapariga, até porque nos bairros sociais que conheço, com gente de várias raças e etnias é um caso raro de alguém que tenta furar o cerco da pobreza através de estudos universitários. A maioria das famílias recebem mais subsídios do que eu alguma vez tive enquanto estudei, beneficiam de casas bem melhores e mais baratas do que as das famílias dos meus colegas de residência e andando dez minutos a pé estão na entrada de qualquer faculdade na Cidade Universitária de Lisboa.

Talvez valesse a pena meditar sobre isto para que o debate das questões da pobreza ou de outras a ela associada não estejam poluídas por sentimentos, complexos e arrogâncias ideológicas, culturais ou religiosas.