terça-feira, outubro 22, 2019

PERCEBERAM OU É PRECISO FAZER UM DESENHO?


Depois de alguns comentários de amigos decidi ir ver o programa “Sexta às 9”. Tenho de confessar que não vi o programa até ao fim, antes da entrevista propriamente dita não vi nada de ilegal ou qualquer fato relevante que se pudesse acrescentar ao que já se tinha divulgado e que não passavam de insinuações.

Mas valeu a pena ver a primeira parte, onde o ex-presidente da autarquia Nuno Cardoso fez de conta que recebeu um telefonema que não estava à espera, dando uma entrevista telefónica dizendo coisas que certamente a jornalista ouvia pela primeira vez. A entrevista deu para perceber alguns pormenores que desconhecia e deu para perceber o que estava em causa.

A tal empresa que tinha sido criada era afinal o resultado de uma divisão entre sócios e o que estava em causa era uma tentativa de impedir uma decisão governamental com argumentos que habitualmente cabe aos tribunais dirimir. E onde entra essa personagem de nome Nuno Cardoso? É um homem bondoso, amigo do seu amigo e tendo de um lado um amigo empresário e do outro um amigo político decidiu, num gesto de generosidade, ajudar os dois. No meios de tantos milhões eis que temos uma alma bondosa que acorreu a Lisboa mais o seu amigo empresário, numa tentativa de salvar o seu amigo político e ex-aluno. Tanta bondade é coisa rara no nosso meio político.

A própria jornalista foi sensível ao gesto pois repara que o governo tomou uma decisão a favor de um sócio que se fazia acompanhar de alguém do PS, mas não reparou que estava produzindo uma notícia tentando favorecer o outro sócio que também se fazia acompanhar de alguém do PS, igualmente um ex qualquer coisa do poder. Tem os de um lado uma empresa perigosa e um político oportunista, do outro lado um sócio bom e um senhor cheio de generosidade, no meio e quase a afogar-se nos muitos milhões estava uma jornalista generosa que decidiu quem tinha razão e colocou a televisão ao serviço do sócio bom.

Temos portanto um sócio malandro, um político oportunista, uma jornalista justa, um sócio bom e um senhor movido a generosidade ilimitada para com os seus amigos.
Perceberam?

Um conhecido político e governante do PSD, já retirado da vida política, costumava dizer que há os amigos, os inimigos e os gajos do partido que são os piores. Este caso ilustra bem essa opinião. Apenas acrescentaria que com gente bondosa como vimos neste processo quase fico a admirar os mais velhacos.

Agora conto-vos outra história: um empresário que perdeu um litígio num negócio sabendo que o governo é de um determinado partido procurou alguém influente que conhecesse bem o ministro. Depois foi combinar a estratégia, marcou-se uma reunião com o ministro muito à pressa, sabiam que a decisão que queriam contraria estava por dias e era preciso impedir. Qual o argumento: cuidado porque há aí confusão entre sócios zangados. Falhada a tentativa havia uma única esperança, impedir a nomeação do secretário de Estado promovendo um escândalo. Isso era trabalho para um jornalista de investigação, lançava-se a suspeita de corrupção num primeiro programa, se não fosse suficiente fazia-se um segundo programa, já com a personagem mistério, que para justificar o serviço teria de dar a cara.

Pronto, o desenho está feito para o caso de não terem entendido. E assim se faz política, negócios e jornalismo em Portugal.