Vejamos a comunicação de Cavaco Silva:
«1. Durante a campanha eleitoral foram produzidas dezenas de declarações e notícias sobre escutas, ligando-as ao nome do Presidente da República e, no entanto, não existe em nenhuma declaração ou escrito do Presidente qualquer referência a escutas ou a algo com significado semelhante.
Desafio qualquer um a verificar o que acabo de dizer.
E tudo isto sendo sabido que a Presidência da República é um órgão unipessoal e que só o Presidente da República fala em nome dele ou então os seus chefes da Casa Civil ou da Casa Militar.»
O que Cavaco diz é verdade, mas o facto é que apesar de poderem provocar uma grave crise institucional o PR nunca desmentiu as notícias, chegou a insinuar que eram lançadas por quem queria desviar a atenção de problemas como o desemprego, mas nunca desmentiu. Com o silêncio Cavaco promoveu a especulação e consolidou as suspeitas ao ponto de se terem transformado em bandeira eleitoral do PSD.
Cavaco não só não desmentiu s notícias como permitiu que as falsas suspeitas lançadas pelo Público fossem transformadas em discurso político por Manuela Ferreira Leite.
Em bom português “quem cala consente”, foi isso que cavaco Silva fez até ao momento em que o Diário e Notícias reproduziu o famoso mail entre jornalistas do Público.
«2. Porquê toda aquela manipulação?
Transmito-vos, a título excepcional, porque as circunstâncias o exigem, a minha interpretação dos factos.
Outros poderão pensar de forma diferente. Mas os portugueses têm o direito de saber o que pensou e continua a pensar o Presidente da República.
Durante o mês de Agosto, na minha casa no Algarve, quando dedicava boa parte do meu tempo à análise dos diplomas que tinha levado comigo para efeitos de promulgação, fui surpreendido com declarações de destacadas personalidades do partido do Governo exigindo ao Presidente da República que interrompesse as férias e viesse falar sobre a participação de membros da sua casa civil na elaboração do programa do PSD (o que, de acordo com a informação que me foi prestada, era mentira).
E não tenho conhecimento de que no tempo dos presidentes que me antecederam no cargo, os membros das respectivas casas civis tenham sido limitados na sua liberdade cívica, incluindo contactos com os partidos a que pertenciam.
Considerei graves aquelas declarações, um tipo de ultimato dirigido ao Presidente da República.»
Qual manipulação? quem manipulou não foram os jornalistas que reproduziram as notícias que iam saindo no Público, os comentadores que fizeram as análises das mesmas ous o partido político visado pelas insinuações. Quem manipulou foi o assessor do Presidente, os jornalistas do Público e quem, com um silêncio premeditado e comprometedor, permitiu que as dúvidas se instalassem nos portugueses.
Se Cavaco considera que os seus assessores podem assessorá-lo de manhã e à tarde ajudarem a Dra. Manuela Ferreira Leite tudo bem, mas não vale a pena invocar os presidentes anteriores pois não há memória de os seus assessores terem sido notícia por estarem envolvidos em processos eleitorais, isso é um exclusivo da sua casa civil. Nem no tempo de Eanes, quando a esposa de um Presidente no pleno suo dos seus direitos de cidadania ajudou a fundar o PRD foi notícia o envolvimento de assessores e muito menos na criação de factos falsos.
Mas se acha que os seus assessores podem fazer o que querem porque razão lhes perguntou se a notícia era verdadeira?
Não foi a primeira vez que os assessores de Cavaco Silva foram notícia pelo seu envolvimento nas actividades do PSD, o Expresso chegou a noticiar a colaboração de assessores de Belém na eleição de Manuela Ferreira Leite. Porque razão nessa ocasião a Presidência da República desmentiu a notícia (mas o Expresso respondeu mantendo-a) e desta vez nada fez e o Presidente diz que os seus assessores podem fazer o que querem? Dessa vez também os questionou sobre a veracidade da notícia?
Porque considerou um ultimato declarações de deputados eleitos pelos portugueses, também eles titulares de um órgão se soberania e não reagiu ao ultimato de Pacheco Pereira feito em plena campanha eleitoral e que nestes últimos dias fez insinuações sobe o que Cavaco iria dizer? Bem, para Cavaco Silva as suas férias parecem ser mais importantes do que as eleições legislativas...
«3. A leitura pessoal que fiz dessas declarações foi a seguinte (normalmente não revelo a leitura pessoal que faço de declarações de políticos, mas, nas presentes circunstâncias, sou forçado a abrir uma excepção).
Pretendia-se, quanto a mim, alcançar dois objectivos com aquelas declarações:
Primeiro: Puxar o Presidente para a luta político-partidária, encostando-o ao PSD, apesar de todos saberem que eu, pela minha maneira de ser, sou particularmente rigoroso na isenção em relação a todas as forças partidárias.
Segundo: Desviar as atenções do debate eleitoral das questões que realmente preocupavam os cidadãos.
Foi esta a minha leitura e, nesse sentido, produzi uma declaração durante uma visita à aldeia de Querença, no concelho de Loulé, no dia 28 de Agosto.»
Isenção? Como se pode ser isento se defende que os seus assessores podem envolver-se activamente nas actividades de um partido, por coincidência o seu? Como se pode ser isento quando Manuela Ferreira Leite por mais de uma vez antecipou o pensamento do Presidente usando-o no debate político?
Um Presidente da República digno do cargo não faz conjecturas, nem transforma as suas opiniões, dúvidas ou suspeições em declarações, é para isso que foi eleito, é por isso que fala enquanto Presidente da República. Se acha que pode dizer opiniões pessoais nada o impediria de dizer na comunicação oficial a opinião da Dona Maria ou do seu genro Montês. De um Presidente esperam-se provas e factos.
«4. Muito do que depois foi dito ou escrito envolvendo o meu nome interpretei-o como visando consolidar aqueles dois objectivos.
Incluindo as interrogações que qualquer cidadão pode fazer sobre como é que aqueles políticos sabiam dos passos dados por membros da Casa Civil da Presidência da República.
Incluindo mesmo as interrogações atribuídas a um membro da minha Casa Civil, de que não tive conhecimento prévio e que tenho algumas dúvidas quanto aos termos exactos em que possam ter sido produzidas.
Mas onde está o crime de alguém, a título pessoal, se interrogar sobre a razão das declarações políticas de outrem?
Repito, para mim, pessoalmente, tudo não passava de tentativas de consolidar os dois objectivos já referidos: colar o Presidente ao PSD e desviar as atenções.»
É curioso como para Cavaco Silva as declarações políticas de deputados eleitos pelos portugueses são condenáveis e as insinuações dos seus assessores, lançando acusações graves sobre um primeiro-ministro não são crime.
O crime está no facto de serem lançadas suspeitas sobre um primeiro-ministro legítimo e com o seu silêncio Cavaco consentir nessas declarações. Se fez sentido desmentir que os seus assessores estiveram envolvidos na eleição de Manuela Ferreira Leite porque razão não houve nenhum desmentido quando um dos seus assessores lançou dúvidas sobre a dignidade do primeiro-ministro? Cavaco calou e consentiu, só reagiu quando o seu próprio nome foi posto em causa pela notícia do DN.
Enquanto a democracia se ia afundando em intrigas, suspeitas insinuações Cavaco esteve calado, só saiu ao terreiro quando a sua própria imagem ficou posta em causa, quando muitos portugueses questionaram a sua actuação ou falta dele, quando a generalidade dos comentadores falaram de renúncia ou falta de condições para se recandidatar.
Cavaco não teve conhecimento prévio do que disse Fernando Lima, mas teve-o quando as insinuações do seu assessor foram manchete no Público. Mas optou pelo silêncio deixando o primeiro-ministro carregar com as suspeitas enquanto Ferreira Leite usava as notícias para fazer campanha.
Curiosamente quando se refere ao envolvimento de assessores na elaboração do programa do PSD, Cavaco confia na palavra destes e assegura que a notícia não foi verdadeira. Mas quanto às escutas parece que Cavaco não se preocupou muito em confirmar os factos, diz agora que tem “algumas dúvidas quanto aos termos exactos em que possam ter sido produzidas”. Afinal o seu assessor não lhe contou muito bem o que disse ao jornal Público, ou foi confuso na explicação? Sobre questões menores Cavaco interrogou os assessores e desmente algo que até foi notícia no site do PSD, quando está em causa a dignidade do primeiro-ministro Cavaco opta por tirar conclusões a partir das notícias e fica com dúvidas.
«5. E a mesma leitura fiz da publicação num jornal diário de um e-mail, velho de 17 meses, trocado entre jornalistas de um outro diário, sobre um assessor do gabinete do Primeiro-Ministro que esteve presente durante a visita que efectuei à Madeira, em Abril de 2008.
Desconhecia totalmente a existência e o conteúdo do referido e-mail e, pessoalmente, tenho sérias dúvidas quanto à veracidade das afirmações nele contidas.
Não conheço o assessor do Primeiro-Ministro nele referido, não sei com quem falou, não sei o que viu ou ouviu durante a minha visita à Madeira e se disso fez ou não relatos a alguém.
Sobre mim próprio teria pouco a relatar que não fosse de todos conhecido. E por isso não atribuí qualquer importância à sua presença quando soube que tinha acompanhado a minha visita à Madeira.»
O facto de o mail ter 17 meses não lhe retira importância face ao que dizia, todos os crimes têm um prazo de prescrição e não é por terem sido cometidos há 17 meses que deixam de ser graves. Além disso o mail não era sobre a ida de um assessor de Sócrates numa visita presidencial, algo que Cavaco certamente sabia, para além de uma visita oficial de um Presidente da República nada ter de secreto, chega a viajar com aviões cheiros de gente. Não se entende o porquê de tratar um assessor de Sócrates como se fosse um espião russo. Será que o assessor viajou sob falsa identidade?
Cavaco distorce o conteúdo do mail, a tentativa de fazer insinuações sobre a presença de um assessor de Sócrates na comitiva foi o truque usado para apagar o rasto das mentiras lançadas no jornal, agora Cavaco vem dar a entender que o facto grave foi a presença de um assessor de Sócrates na sua comitiva, como se Sócrates fosse primeiro-ministro da ex-URSS!
A questão não está em saber tinha conhecimento do mail entre os jornalistas (até ficamos com a impressão de que Cavaco costuma conhecer as comunicações entre jornalistas amigos), nem saber se tem ou não dúvidas sobre o conteúdo do mail. O problema reside no facto de neste caso Cavaco parecer ter optado por não apurar os facto, não arrisca desmenti-los e ainda por cima lança mais insinuações para lançar poeira sobre os mesmos.
Se Cavaco tem dúvidas sobe o conteúdo do mail não deve ficar pelo palpite ou pela insinuação, deve esclarecer cabalmente os portugueses sobre as razões dessas dúvidas.
O mais importante desse mail não era a referência ao assessores de Sócrates, mas sim o que o assessor do Presidente terá dito ao jornalista sobre as escutas e, pior do que isso, de que estava mandatado pelo Presidente para informar o jornal. Sobre isto Cavaco nada diz, não explica o mais importante, opta por usar a falsa pista combinada entre o seu assessor e o jornalista do Público?
« 6. A primeira interrogação que fiz a mim próprio quando tive conhecimento da publicação do e-mail foi a seguinte: “porque é que é publicado agora, a uma semana do acto eleitoral, quando já passaram 17 meses”?
Liguei imediatamente a publicação do e-mail aos objectivos visados pelas declarações produzidas em meados de Agosto.
E, pessoalmente, confesso que não consigo ver bem onde está o crime de um cidadão, mesmo que seja membro do staff da casa civil do Presidente, ter sentimentos de desconfiança ou de outra natureza em relação a atitudes de outras pessoas.»
Os assessores de Cavaco Silva podem ter os sentimentos que bem entenderem, mas, a crer no mail entre os jornalistas do Público que ninguém desmentiu, Fernando Lima não se terá limitado a ter sentimentos, aliás, por enquanto os sentimentos dos assessores de Belém não são notícia. O que foi notícia foi algo mais grave, que estava autorizado a divulgar as supostas suspeitas de Cavaco Silva.
«7. Mas o e-mail publicado deixava a dúvida na opinião pública sobre se teria sido violada uma regra básica que vigora na Presidência da República: ninguém está autorizado a falar em nome do Presidente da República, a não ser os seus chefes da Casa Civil e da Casa Militar. E embora me tenha sido garantido que tal não aconteceu, eu não podia deixar que a dúvida permanecesse.
Foi por isso, e só por isso, que procedi a alterações na minha Casa Civil.»
Se lhe foi garantido que ninguém usou o seu nome porque razão em vez de desmentir o jornal optou por estar em silêncio durante os tais 17 meses e no fim substituiu o assessor? Quer dizer, não se importou que durante tanto tempo houvessem dúvidas sobre o comportamento de José Sócrates, durante esse tempo Manuela Ferreira Leite pôs em causa a qualidade da democracia, mas quando o seu nome foi posto em causa não esperou 24 horas para tomar posição.
Enfim, Cavaco não é o garante do regular funcionamento das instituições, é o garante do seu nome e pouco mais.
« 8. A segunda interrogação que a publicação do referido e-mail me suscitou foi a seguinte: “será possível alguém do exterior entrar no meu computador e conhecer os meus e-mails? Estará a informação confidencial contida nos computadores da Presidência da República suficientemente protegida?”
Foi para esclarecer esta questão que hoje ouvi várias entidades com responsabilidades na área da segurança. Fiquei a saber que existem vulnerabilidades e pedi que se estudasse a forma de as reduzir.»
Se o mail em questão era do jornal Público e já se esclareceu que não houve violação do sistema informático o que têm as suas dúvidas sobe a vulnerabilidade do sistema informático com esta questão. Tanto quanto se sabe todos os sistemas informáticos são vulneráveis, nem os da NASA ou do Pentágono se têm escapado a invasões. Tanto quanto se sabe nunca veio a público um mail privado do Presidente, o que veio a público foram as conversas dos seus assessores com jornalistas.
O que Cavaco disse em plena campanha eleitoral é que as questões de segurança são importantes e ia fazer perguntas depois das legislativas. Afinal perguntou a especialistas em informática aquilo que qualquer criança que tenha o Magalhães já sabe! Lanço a crise com tais informações e agora inventa uma saída idiota para declarações que apenas visaram relançar as suspeitas criadas pelo seu assessor.
____________
Depois desta comunicação, assente em inverdades, opiniões meramente especulativas, afirmações de ignorância no domínio da informática e d insinuações conclui-se que Portugal já não tem um presidente de todos os portugueses, tem um presidente de 29% dos eleitores. Que não tem na Presidência alguém apostado na colaboração institucional mas sim alguém que está mais preocupado com a imagem dos seus assessores do que com a do primeiro-ministro. Que tem na Presidência alguém que deixa o primeiro-ministro ser difamado com base em insinuações dos seus assessore ou na deturpação das suas declarações.
Cavaco Silva não esclareceu nada, imitou-se a juntar às dúvidas lançadas há 17 meses mais algumas insinuações. Para Cavaco Silva a sua imagem é bem mais importante do que a estabilidade política. Começa a ser difícil ajudá-lo a terminar o mandato com dignidade, agora são muitos mais os portugueses que desejam que o acabe depressa e já que durante estes anos não ajudou o país, como prometeu na campanha eleitoral, então que ele e os seus assessores não acrescentem a uma grave crise económica mais uma grave crise política.
Mas Cavaco cosenguiu que toda esta questão não mereça qualquer investigação por parte do Ministério Público, protegendo o seu assessor de investigações e, desta forma, fugindo ele próprio à justiça. Se Nixon pudesse ter feito o mesmo o caso Watergate não teria acontecido e o presidente dos EUA teria terminado tranquilamente o mandato.
Afinal não há suspeitas em relação ao SIS, as supostas vigilâncias não passam de meras vulnerabilidades do Windows e da rede informática de Belém, o seu assessor não promoveu nenhuma conspiração contra um primeiro-ministro legítimo tendo-se limitado a manifestar sentimentos, tudo não passou de um equívoco a não ser as declarações dos deputados do PS que visaram incomodar as suas merecidas férias.
Se a substituição de Fernando Lima foi o funeral político de Cavaco Silva esta comunicação parece a homilia da missa do sétimo dia. Encurralado pelos facto Cavaco Silva tenta fazer o que não conseguiram com o Caso Freeport, destruir politicamente um primeiro-ministro e um partido democrático.
Cavaco percebeu que as eleições legislativas foram a primeira volta das eleições presidenciais, sabe também que o seu futuro político foi comprometido e que o seu papel na história da democracia portuguesa ficou reduzido ao de um político menor. Com este ataque preventivo Cavaco pretende lançar uma crise institucional que lhe permita ignorar os resultados de eleições democráticas e relançar o seu projecto político pessoal.
(post competado e corrigido)