quinta-feira, outubro 06, 2022

E SE A MULHER DE CÉSAR FOSSE PORTUGUESA?

A forma como a nossa classe política justifica os seus comportamentos faz-me lembrar a anedota do compadre eu foi apanhado or uma rusga, quando estava num bordel com duas meninas. Uma disse que era manicure, a outra disse que era cabeleireira e o coitado acabou por exclamar “querem ver que a prostituta sou eu?”.

Vem esta piada brejeira a propósito de várias intervenções que ouvimos nos últimos dias a propósito da atividade profissional da ministra que gere os fundos europeus e da empresa de consultoria na área da saúde do agora ministro da Saúde. Parece que toda a nossa classe política aproveita bem as chamadas sinergias relacionadas com os seus cargos políticos e profissionais, sinal de que são pessoas muito dadas ao trabalho.

No caso da ministra, que antes de ascender ao cargo na sequência de várias cambalhotas partidárias, antes de aparecer na ribalta na sequência do incêndio de Pedrógão, incêndio que levou desta vida e mandou outros para a barra do tribunal teve o condão de promover uma senhora a ministra e outra a secretária de Estado da Proteção Civil, só porque deram nas vistas e o primeiro-ministro terá gostado do seu desempenho televisivo, desempenhava funções de responsabilidade numa CCDR enquanto o marido tinha uma empresa, no mesmo aquário dos fundos europeus.

No caso do ministro, de que se sabe ser médico mas de quem não se conhece grande obra no domínio das políticas de saúde, tinha uma empresa de consultoria nesta área, ao mesmo tempo que singrava na sua carreira política mal sucedida, mas que o tornaram próximo dos governantes do setor.

Perante o incómodo a senhora ministra veio com desculpas, confundindo o César com a sua mulher, sugerindo que o César poderia fazer o que queria enquanto a esposa se dedicaria ao que lhe apetecia, sem que daí possa resultar qualquer confusão. Digamos que a trajetória paralela entre o César e a esposa foi apenas coincidência.

No caso do ministro, teve uma saída brilhante, tentando converter uma situação menos clara num modelo de virtudes, ao dizer que a delegação de competências no secretário de Estado tinha sido a mais rápida da nossa vida governamental, como se um ajudante de ministro fosse a personagem mais independente dele que se pode encontrar por estas bandas.

Quando deu o segundo tropeção, com o caso da empresa de consultoria, foi o primeiro-ministro que nos meteu os seus delicados dedinhos pelos nossos olhos, assegurando que o ministro teria uma atividade comercial, foi este o termo usado. Sucede que ser consultor na saúde, conseguindo contratos do Estado ou de empresas que dependem do estado, não é bem a mesma coisa que vender batatas no Mercado da Ribeira.

É evidente que somos todos honestos, mas todos sabemos como neste país há famílias muito dadas às sinergias político empresariais e quer se queira quer não deixa de ser interessante observar o elevado nível de complementaridade entre as diversas atividades dos políticos ou entre as competências de um conjugue e a atividade profissional do outro. Mas parece que tempos de aceitar que em Portugal o ditado que refere as virtudes da mulher de César tem uma interpretação mais original

sábado, outubro 01, 2022

ISTO É GOZAR COM QUEM PENSA

Quando Cavaco era primeiro-ministro ficou a definição que deu do papel dos secretários de Estado, não passavam de modestos ajudantes dos ministros. Aina assim e durante muitos anos a escolha dos “ajudantes dos ministros” era criteriosa, e era frequente ver a exercer estas funções gente com méritos reconhecidos no mundo das ciências, da economia ou da cultura e com currículo feito nas empresas ou nas academias.


Nos governos de Durão Barroso, António Guterres e José Sócrates, ainda que desde o tempo da definição de Cavaco Silva nunca tenham deixado de ser meros ajudantes dos ministros, vimos secretários de Estado cujo nome mereceu ficar na nossa memória. 

Nos últimos tempos o critério deixou de ser a competência técnica ou o mérito pessoal, o principal critério é a confiança do primeiro-ministro e a lealdade dos governantes em relação ao chefe. Pouco importa a inteligência ou capacidade, não importa que sejam burros, o importante é que bajulem os primeiros-ministros ao logo do mandato.

Quando ouvimos uma ministra da Agricultura festejar aquilo que ainda era uma epidemia de Covid 19 na Républica popular da China, porque daí resultariam oportunidades para exportar mais carne de porco para aquele país, nem vale a pena perguntar quem é a senhora e não nos passa pela cabeça querer saber quem são os seus ajudantes. Quando soubemos que o adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, que conduziu a famosa compra das golas para os incêndios a uma empresa de “gajos do partido” era ajudante numa padaria, temos tudo dito sobre o viveiro de inteligência em que foram convertidos os gabinetes de alguns ministros.

Já pouco me preocupa o eu os ministros pensam ou se dizem o que pensam ou o que lhes mandam pensar, estou mais atento à forma como falam e às baboseiras que dizem. O “último artista” que me fez rir foi o agora e finalmente ministro da Saúde, quando perante o conflito de interesses que são óbvios no plano ético e da famosa ética republicana, respondeu com ar de grande político que tinha delegado competências sobre a Ordem dos Nutricionistas, presidida pela esposa num secretário de Estado.

Sejamos honestos, desde há alguns anos que muitos secretários de Estado foram despromovidos, em vez de ajudantes de ministro não passam de caniches dos ministros. Sugerir que um secretário de Estado é independente do ministro, ou mesmo dos famosos “gajos do partido” é gozar com quem pensa. Para que um secretário de Estado fosse independente do ministro teria de ser membro do governo espanhol e mesmo assim estaríamos desconfiados dessa independência se os governos fossem da mesma cor política.