sábado, fevereiro 17, 2007

Boas práticas...


Realizado o referendo do aborto alguém descobriu a pólvora, que os portugueses ficaram divididos, uma conclusão peregrina sabendo-se que num ganha a resposta que obtiver mais de 50% dos votos. Ou os portugueses tinham votado todos branco e nulo ou, inevitavelmente ficariam divididos. Se depois de realizado um referendo se pretende unir os portugueses não me admiraria nada que agora alguém venha propor a legislar o "nim". E como Cavaco Silva tem por função unir os portugueses é natural que assuma a defesa do nim.

No referendo do aborto o "sim" ganhou de forma inequívoca é o que conta para o futuro e esse resultado é inquestionável. Os portugueses votaram maioritariamente “sim” e isso significa que querem que haja condições para que a mulher possa, se for essa a sua opção, interromper a gravidez durante as primeiras dez semanas de gestação.

Como seria de esperar a hipocrisia a que se assistiu e muitos debates até à realização do referendo continua, logo na noite da sua realização isso sucedeu com uns a anunciar ao mundo que Portugal acabava de entrar no século XXI e outros a dizerem que tinhas assentado praça no purgatório.

Estamos perante duas situações extremas que podem ser facilmente retratadas:

Situação A

Ouve-se no centro de saúde uma daquelas senhora simpáticas gritar: “Onde está a menina que veio fazer o aborto?”
O doente cardíaco protesta porque lhe deu uma coisa mas não lhe serve de nada, ao que a diligente funcionária lhe responde diligentemente: “O senhor pode esperar um bocadinho, aquela menina é que não, falta uma hora, 15 minutos e trinta segundos para as dez semanas!”.

Situação B:

A mulher que quer fazer um aborto vai consulta onde é atendida por uma senhor simpática, funcionária no horário de trabalho e numerária da Opus Dei a tempo inteiro, que durante duas horas lhe tenta fazer ver as vantagens da maternidade, as consequências da crise da natalidade, os problemas da mudança climática, etc., etc.. Depois da mulher ficar baralhada marca-se nova consulta para daí a uma semana.

Passada essa semana a assistente constata que a mulher continua baralhada pelo que lhe sugere que reflicta mais umas semanas, após o que se conclui que já passaram as dez semanas. A assistente recomenda a mulher a uns amigos que nos domingos em que não tê nenhum acontecimento social se dedicam a oferecer fraldas descartáveis às mulheres que decidiram não abortar.

Esperemos que não se caia na em nenhum destes “oitentas”, na falta de bom senso ou num sistema tão perfeito que levará muitas mulheres a regressar ao aborto. Se de um lado se ouvem vozes que faz recear a banalização do aborto, do outro parece que agora todos são a favor da despenalização na condição de ela não funcionar.

Os defensores do "não" e do "nim" parece serem admiradores do modelo alemão e apropósito deste vale a pena estudar o papel da Igreja Católica na sua gestão e para isso se sugere a leitura “carta de João Paulo II aos bispos alemães sobre a actividade dos consultórios familiares católicos” [Link] de que reproduzo um pequeno extracto:

«Atribuís muita importância ao facto de os consultórios católicos continuarem presentes de modo público na consultação para as mulheres grávidas, a fim de poderem salvar da morte, com uma consultação bem orientada, muitas crianças nascituras e estarem, com todos os meios à disposição, ao lado das mulheres em difíceis situações de vida. Ressaltais que nesta questão a Igreja – por amor das crianças nascituras – deve servir-se, do modo mais vasto possível, tanto dos espaços de acção abertos pelo Estado a favor da vida como da consultação, e não se pode sentir culpada de ter descuidado possíveis ofertas de ajuda. Encorajo-vos nesta solicitude e espero muito que a consultação eclesial possa continuar com energia. A qualidade desta consultação, que toma muito a sério tanto o valor da vida não nascida quanto as dificuldades da mulher grávida e procura uma solução baseada na verdade e no amor, afectará a consciência de muitos que procuram um conselho e constituirá um apelo significativo para a sociedade.»

(…)

«No que se refere depois ao problema do certificado de consultação, quereria repetir quanto já vos escrevi na carta de 21 de Setembro de 1995: «Ele atesta que se efectuou uma consultação, mas é ao mesmo tempo um documento necessário para o aborto despenalizado nas primeiras 12 semanas da gravidez». Vós mesmos designastes várias vezes como «dilema» este significado contraditório do certificado de consultação, que tem o seu fundamento na lei. O «dilema» consiste no facto que o certificado atesta a consultação, no sentido da defesa da vida, mas permanece sempre a condição necessária para a execução despenalizada do aborto, ainda que certamente não seja a causa decisiva que o provoca.

O texto positivo, que formulastes para o certificado de consultação fornecido pelos consultórios católicos, não elimina de modo radical esta tensão contraditória. A mulher, com base nas determinações legislativas, depois de três dias pode usar o certificado para abortar, isto é, para fazer com que o seu filho seja eliminado de modo despenalizado, em instituições públicas e em parte também com meios públicos. Não se deve transcurar o facto que o certificado de consultação requerido pela lei, que quer certamente assegurar antes de tudo a consultação obrigatória, de facto assumiu uma função-chave para a execução de abortos despenalizados. As consulentes católicas e a Igreja, por cujo encargo essas agem em muitos casos, encontram-se assim numa situação de conflito com a sua visão de fundo na questão da defesa da vida e com o objectivo da sua consultação. Contra a sua intenção, são envolvidas na actuação de uma legislação, que conduz à morte de pessoas inocentes e é escândalo para muitos.
Depois de maturada consideração de todos os argumentos, não posso deixar de concluir que, quanto a isto, existe uma ambiguidade que ofusca a clareza e o significado unívoco do testemunho da Igreja e dos seus centros de consultação. Por isso, estimados Irmãos, quereria convidar-vos com insistência a fazer com que um certificado dessa natureza já não seja fornecido nos consultórios eclesiásticos ou dependentes da Igreja. Exorto-vos, contudo, a fazer com que, em todo o caso, a Igreja permaneça presente de maneira eficaz na consultação às mulheres em busca de ajuda.»