terça-feira, maio 31, 2016

Negócios políticos de sangue

Muito antes da acusação no processo dos vistos Gold que se sabia do envolvimento de Marques Mendes em telefonemas que segundo o próprio se destinaram a saber do andamento de processos. Percebe-se perfeitamente que ao usar do seu estatuto para telefonar a um alto dirigente do Estado sobre o andamento de um determinado processo o antigo líder do PSD não pretendia qualquer outro resultado que não fosse apenas esse conhecimento.

Como somos todos parvos acreditamos que os tais cidadãos estrangeiros sobre cujos pedidos de vistos Gold Marques Mendes queria saber do “andamento” eram gente das suas relações. Aliás, não é difícil de imaginar uma boa parte da população da Península Ibérica é tanto das suas relações como o eram os estrangeiros que pediram vistos Gold. Mas passemos à frente, Marques Mendes é um cidadão tão empenhado no crescimento económico do país que,m certamente, estava preocupado com a possibilidade de estes investidores estrangeiros abandonarem o país.

Mas o que mais me incomoda na notícia da Visão que dá conta das escutas de que Marques Mendes é o nível ético e moral de alguém que foi membros de vários governos, que liderou um dos maiores partidos portugueses e que foi candidato a primeiro-ministro. A forma como se refere a mortos e feridos líbios ficam muito aquém dos padrões considerados minimamente aceitáveis para os nossos valores civilizacionais.

O Marques Mendes privado é bem diferente do Marques Mendes público, do Marques Mendes dos domingos à noite, dos comentários bem penados, das inconfidências governamentais, das lições de moral e das exigências aos políticos. O Marques Mendes privado que se ouviu nas escutas é um labrego sem a mais pequena consideração pelos tais valores da vida humana.

Vale a pena ler os comentários de Marques Mendes sobre as vítimas de combates na Líbia, estando em causa a vinda de feridos para tratamento em hospitais privados pertencentes aos seus amigos:

« A conversa seguiu com os dois interlocutores concentrados na parte negativa. Era preciso, dizia Marques Mendes, ver se a situação acalmava, se “não se matam todos”. Jaime Gomes sugere que até era melhor que não morressem: “Quanto mais feridos houver, mais oportunidades existem.” E continuou, entre risos, fazendo uma comparação com a história do cangalheiro que tinha uma funerária no hospital e dizia:

“Não quero que ninguém morra, mas quero que a minha vida corra.” Marques Mendes concordou: ali era a mesma história, só convinha era que “os gajos” não morressem. Mas se ficassem nem que fosse um pouco “tortos”, isso até daria “jeito”, ironizou.» [Visão]

É assim que fala o homem que defende a vida, que está sempre do lados dos bons valores da Igreja e que critica tudo e todos. Em qualquer país europeu este senhor já teria sido banido das televisões e teria vergonha de sair à rua.