Quando observo a nossa vida política é frequente vir-me à memória a anedota do Ti Zé, que foi convidado para fazer um voo acrobático. Quando aterrou o piloto perguntou-lhe o que tinha a dizer, a que o Ti Zé respondeu:
“Quando o avião subiu já sabia que me ia mijar pelas pernas abaixo. Quando desceu fiquei todo borrado, mas o que não esperava era que a seguir desse a volta e a caca e o xixi me caíssem em cima da cabeça”.
Há alguns anos os governantes e os autarcas, em particular, o de Lisboa, estavam eufóricos com o aumento cada vez maior da afluência de turistas. Com a economia portuguesa a marcar passo as receitas do turismo foram uma benesse inesperada e permitiam apresentar taxas de crescimento económico inesperadas, que seriam usadas no discurso político.
Uma boa parte desta “invasão” de turistas foi alimentada pelo crescimento exponencial dos alojamentos locais, que até nas vendas da churrasqueira do meio bairro se fizeram sentir.
Outro grupo especial de residentes estrangeiros, que afluíram ao nosso país, desta vez graças à política fiscal do governo, foram os idosos de países ricos da Europa que optaram por residir no país, beneficiando de impostos mais baixos, de um clima ameno e dos preços da alimentação mais baixos.
O negócio foi aparentemente tão bom para Portugal que teve impacto nas receitas fiscais de outros países, já que os seus nacionais deixavam de pagar impostos nos países de origem ao abrigo dos acordos de dupla tributação, já que beneficiavam de condições favoráveis em Portugal. Esta situação levou mesmo à revogação do acordo de dupla tributação por parte da Suécia.
Mas, os mesmos governos que esfregaram as mãos de contente, já que as receitas do turismo ajudaram a iludir a realidade da economia portuguesa, dando uma falsa sensação de aumento da competitividade externa, ignoraram o impacto que estes “negócios” teriam noutros domínios da economia e da sociedade, designadamente, na habitação.
Em cidades como Lisboa o mercado de arrendamento foi em grande parte absorvido pelos alojamentos locais, ainda que a estes se deve a recuperação de uma boa parte do parque habitacional degradado. Por outro lado, como sucedeu em muitas localidades do Algarve, os residentes estrangeiros, com melhores rendimentos acabaram por absorver uma boa parte das habitações disponíveis para arrendamento. Ao mesmo tempo, podendo pagar rendas muito superiores, acabaram por inflacionar os preços da habitação.
Estes e outros fenómenos, que os governos se esqueceram de prever, apesar de serem mais do que óbvios, como sucede com a imigração, tiveram como consequência acelerar e ampliar a crise da habitação. Agora o governo reage com espanto à crise na habitação, como se fossem o Ti Zé a dar a voltinha no avião acrobático.
Reagiram de forma desastrada, tentaram asfixiar o mercado dos alojamentos locais e em relação aos residentes estrangeiros ficaram em silêncio, porque sendo estrangeiros uma medida idêntica à adotada para os alojamentos locais teriam repercussões a outros níveis, o que não convém, porque Portugal tem desde Cavaco Silva o complexo do melhor aluno da Europa.
Infelizmente muitos dos nossos governantes são apanhados desprevenidos como o Ti Zé, e passamos a vida a levar com caca e xixi em cima da cabeça.