quinta-feira, outubro 11, 2018

O ORÇAMENTO DAS GORJETAS


Desde que a discussão do aumento do salário mínimo passou a ser feito com base em aumentos em termos absolutos, com uns a propor 20€ e outros a ficarem-se pelos 5€, que a moda pegou e agora todos os aumentos salariais no Estado ou os aumentos de pensões é feito com base nela lógica.

Imagino que o Mário Centeno enfrenta neste momento o mesmo dilema com que se confronta quando pede a conta num restaurante e tem de se decidir sobre o montante da gorjeta que deve dar. Receio mesmo que se sinta na obrigação de ser generoso porque não parece bem a um ministro dar ares de sovina, mas quando chega ao ministério passa a ser o contrário porque um ministro das Finanças deve ser um limão e bem azedo.

Agora querem que as pensões mínimas aumentem em 10€ e andam em grandes discussões para decidirem se o aumento dos funcionários públicos será de 5€ para todos ou de dez para os que ganham menos e de zero para os outros, porque são os ricaços e já lhes é dado muito. No Estado deixaram de haver carreiras, começa a parecer uma espécie de Havana.

Mas o mais grave é que os que assim tratam tantas dezenas de m ilhares de cidadãos deste país revelam um conceito de respeito pela dignidade alheia que há muito eu não via em governantes deste país. Parece que para eles um catedrático de engenharia anda ansioso por saber se o António Costa decide dar-lhe mais cinco euros por mês ou se tem de aguentar por um momento de generosidade do primeiro-ministro para o próximo orçamento.

Isto é tão miserável que andam a tratar-se os funcionários públicos como se fossem uns indigentes ansiosos por um momento de simpatia de António Costa para poderem ganhar mais cinco euros por mês. De um momento para todos somos todos gorjeteiros, olhamos todos com muita ansiedade para a mão do primeiro-ministro para percebermos se ele tira uma nota de cinco euros ou se vai ao porta-moedas e se fica por uma gorjeta de dois euros.


Enfermeiros, motoristas, engenheiros, cirurgiões que fazem transplantes de coração, catedráticos de astrofísica, economistas, comandantes de fragatas, pilotos de caças, polícias, magistrados, estamos todos em grande ansiedade porque ainda não sabemos se vamos receber uma gorjeta de cinco euros ou se vamos ter de esperar ansiosamente durante mais um ano para recebermos tão preciosa gorjeta. Já não sei o que é pior, se andar há uma década a ser desvalorizado financeiramente ou a ser cada vez mais ofendido na dignidade.