quinta-feira, junho 21, 2012

Um país sem palavra


Uma das primeiras coisas que um funcionário público aprende é que apenas conta como verdade o que está escrito, o que foi falado, pessoalmente ou por telefone, não conta para nada. As ordens só valem quando são dadas por escrito, as informações aos utentes dadas por telefone não têm qualquer valor. E mesmo quando se escreve há quem arranje forma de se defender inscrevendo uma mensagem do tipo “apenas o documento original tem valor de lei”.
  
Temos portanto um país onde a palavra dos seus cidadãos não tem valor, não só porque ninguém confia na palavra dos seus cidadãos, mas porque são poucos os que confirmam o que disseram ao telefone, ou numa conversa anterior se daí resultar prejuízo pessoal. Este princípio está de tal forma implantado que com o falso argumento da defesa da privacidade todas as formas de gravação são proibidas, isto é, se um ministro me ameaçar de todo o seu enorme poder que me vai difamar na internet eu nada posso fazer, mesmo sendo jornalista e estando a falar com uma personalidade pública no exercício de funções públicas poderei gravar a conversa para usar a gravação em defesa da minha segurança e dos próprios valores da democracia.
Não admira que quem os nossos governantes se protejam atrás de paredes para exercerem o poder longe dos olhos dos que os elegeram e de forma a que estes nunca possam saber o que se passa. Veja-se o caso do António Borges, ninguém sabe o que faz, quanto ganha, que contributos técnicos está a dar, tudo o que ele faz é segredo de Estado, sabe-se mais sobre o que acontece dentro das secretas do que faz este rapaz que depois de ser despedido sucessivamente da Goldman Sachs e do FMI veio ganhar algum dinheiro fácil à conta do merceeiro e dos contribuintes.
  
Em Portugal nunca teria sucedido um Watergate pela simples razão de que nada do que se passa em privado se sabe ou fica registado para memória futura, os governantes só respondem pelos seus discursos ou pelo que foi publicado em Diário da República, tudo o resto não só é segredo de Estado como muito simplesmente desaparece. Veja-se o caso do Paulo Portas, quando deixou o ministério da Defesa levou 80.000 páginas de documentos fotocopiados, não é difícil de adivinhar que muitos destes documentos foram destruído. Quando um governo entra em funções os governantes encontram as gavetas vazias e os discos dos computadores formatados.
  
Não admira que Relvas tenha sido ilibado pela ERC, a não ser que Cristo viesse à terra seria sempre ilibado e como a lei considera crime qualquer gravação autorizada até se pode dar ao luxo de telefonar para a jornalista para gozar com ela. Será sempre a palavra de um contra o outro e a não ser que o envolvido fosse o Sócrates nenhum magistrado deduziria qualquer acusação a um ministro todo-o-poderoso, que tantos lucros pode dar e tantos prejuízos pode infligir, quanto mais um órgão de gorjeteiros onde três membros foram nomeados pelo partido do Relvas, o presidente foi nomeado pelo governo do Relvas e um dos membros mantém uma amizade com o Relvas.
  
Nestas circunstâncias todos os aldrabões deste país são inocentes, neste país não há palavra e, portanto, todos os criminosos são inocentes e quem os acusar ainda corre o risco de ser condenado por difamação.