sexta-feira, maio 14, 2010

A crise tem costas largas

Quando a receita fiscal aumentava a comunicação social e os governos elegeram o director-geral como herói nacional, modelo de gestor moderno, modernizador do fisco, a Impresa até o elegeu como gestor do ano. Se tivesse sido seguido o mesmo agora que as receitas fiscais baixaram o lógico seria fazer um auto de fé e queimar o director-geral dos Impostos no Terreiro do Paço.

É evidente que não tenho o mais pequeno desejo de ver o coitado do director-geral dos Impostos transformado em churrasco até porque muito provavelmente não tem qualquer culpa. Mas não deixa de ser curioso que ninguém se interrogue sobre as razões da queda da receita fiscal, deixando-se no ar de que é uma mera consequência da crise financeira.

Só que a queda brutal da receita fiscal deveu-se a uma queda da receita do iva, queda tão grande que não pode ser explicada pela redução da actividade económica. Se a crise não explica a acentuada redução da receita fiscal e tanto quanto se sabe não foi instituída nenhuma nova off-shore em território nacional esta só pode ter três explicações, a ineficácia da máquina fiscal, a adopção de medidas desastrosas no domínio das normas fiscais, ou o falhanço no combate à evasão fiscal.

É imoral pedir sacrifícios aos portugueses sem se dar uma explicação sobre o sucedido, sem apurar causas e, se for caso disso, identificar responsabilidades e responsáveis, sejam dirigentes do fisco, membros do governo ou mesmo assessores (ou assessoras) governamentais. Se no passado os dirigentes da DGCI foram agraciados com louvores e promoções a administradores de banco enquanto o governo decretava o sucesso no combate à evasão fiscal, seria lógico que agora fosse seguido o mesmo critério.

Mas fiquem os gestores do fisco e os membros e assessores do governo descansados porque a crise tem as costas largas, em nome da crise os portugueses cumpridores, os que costumam pagar as despesas do país mesmo que para isso deixem de ter dinheiro para comer, vão mais uma vez serem sacrificados com aumentos de impostos.

Os incompetentes podem continuar a passar por competentes, os advogados e jurisconsultos da arte da fiscalidade podem continuar a enriquecer com a bênção governamental, os professores de direito podem continuar a fazer currículo, ninguém vai ter que explicar ou responder pela falência da receita fiscal. A crise tudo explica, a crise tem as costas largas, os pobres poderão continuar a suportar os custos da incompetência ou oportunismo alheio.