quarta-feira, maio 26, 2010

Da seriedade ao panfleto

Quando estudei economia disseram-me que se tratava de uma ciência, o rigor fazia parte da deontologia que se pretendia transmitir aos futuros economistas. Recordo-me que quando tinha Manuela Silva na cadeira de Política Económica era Cavaco ministro das Finanças, pouco tempo antes tinha tido a brilhante ideia de revalorizar o escudo com os resultados que na ocasião ficaram à vista, a economia ficou de rastos com a perda de competitividade mas Cavaco ganhou ponto junto de algum nacionalismo mais viril.

Nesse tempo haviam meia dúzia de economistas conhecidos, Manuela Silva que já referi, Pereira de Moura, Jacinto Nunes, Alfredo de Sousa e mais meia dúzia. Agora damos um pontapé numa pedra e salta uma dúzia de economistas, cada um com o doutoramento tirado na sua universidade, cada um a dizer da sua justiça. Como se isso não bastasse anda por aí muita gente que fala de futebol de manhã, de telenovelas à tarde e de economia à noite. O rigor começa a escassear e a economia passou a ser menos ciência do que o futebol, pelo menos se for o Mourinho a falar do tema.

O gráfico foi colocado na blogosfera pelo Prof. Nogueira Leite, escrevo professor com letra grandes para o distinguir de muita gente de pouca estatura que por aí anda. É um gráfico que diz tudo e ao colocá-lo sem comentários propõe-se a reflexão. Poderíamos dizer muita coisa, desde a necessidade de o país poupar ao facto de ser imperioso o Estado equilibrar as contas públicas. Poderíamos reflectir sobre se o país é viável vivendo do crédito externo, sobre o que foi feito para aumentar as exportações de forma a compensar o aumento do consumo resultante da livre circulação de mercadorias e, seguindo o fio da meada, se é possível sobreviver na União Europeia com os nossos padrões de produtividade ou sem uma aposta clara na qualificação dos portugueses mesmo que implique um choque frontal com o sindicato do Mário Nogueira, da mesma forma que teremos de correr o risco de vermos um primeiro-ministro preso e degradado para um qualquer Tarrafal se algum dia quisermos dar a volta à palhaçada em que se transformou aquilo a que só o sentido de humor permite designar por justiça.

É um gráfico que serve para reflectir e por isso o Prof. Nogueira Leite fez bem em colocá-lo sem qualquer comentário para além do título do post “Much ado about (some of) the worong things" publicado no "Albergue Espanhol".

Mas há quem tenha descoberto coisas incríveis neste gráfico, como é o caso do “Portugal dos Pequeninos” que questiona o Prof. Nogueira Leite perguntando “Como é que Nogueira Leite, em representação do candidato a futuro admirável líder, o jovem Passos, sabendo o que o gráfico evidencia, aceita "negociar" seja o que for com quem, em quinze anos, fez subir aquela barra vermelha?”.

Se o autor destas linhas tivesse sido aluno da Dra. Manuela Silva teria chumbado, da mesma forma que chumbaram os que criticaram o ministro Cavaco Silva tendo como único argumento o ódio político ou os que diziam disparates sem os poderem explicar. Qualquer leigo pergunta de onde vêm os “quinze anos”, qualquer idiota sabe que há muito que a banca foi privatizada e que é a dívida desta, na maioria destinada ao consumo, que merece maior preocupação pois se o Estado pode adoptar medidas de austeridade, dificilmente pode introduzir restrições ao crédito ao consumo.

É tempo de o país pensar e reflectir com honestidade intelectual e de tratar o debate em torno da economia com rigor, deixou de haver margem de manobra para este tipo de tretas.