Os governos ficam à mecê das corporações que se alimentam do erário público, dificilmente têm margem para adoptar políticas a pensar no médio e longo prazo. Guterres viu-se enredado numa maioria relativa que ficou a um deputado da maioria absoluta acabando por ser refém de uma maioria que apenas aguardava o momento oportuno para o derrubar, se adoptasse uma política de rigor nas contas públicas, para o fazer teria que enfrentar as corporações e gerar descontentamento. Tem sido evidente que as corporações tudo fazem para derrubar o governo, não é por acaso que o lema dos professores é "não votem no PS".
Durão Barroso e Ferreira Leite limitaram-se a esperar pelos sinais de retoma e mesmo sem nada fazer e apesar das vantagens eleitorais resultantes do Processo Casa Pia (se o governo tivesse hostilizado os funcionários públicos e, em particular, as magistraturas teria havido processo Casa Pia?) caíram a pique nas sondagens. O Governo de Santana Lopes foi o que se viu, tentou resistir à situação com medidas populistas absurdas. Ambos foram vítimas do eleitoralismo, a única via possível para um governo portugu^ªes sobreviver e num país com quase metade das famílias (sem contar os pensionistas) a depender do orçamento tratar bem as corporações é meio caminho andado para ganhar eleições
A verdade é que durante quase uma década os governos foram reféns da crise e do impacto desta nos calendários eleitorais, a política económica não é gerida em função dos ciclos económicos nem ataca os problemas de fundo, é orientada em função das eleições. O resultado está à vista, aperta-se o cinto para reequilibrar as contas do Estado para combater a crise e recorre-se ao que se poupou para combater a mesma crise quando esta se agrava.
O agravamento da crise económica teve como resultado ter-se deixado de pensar na crise para atacar os sintomas pois são ests que afectam o eleitorado, governo e oposição limitam-se a propor medidas a pensar no voto dos eleitores. Como o Governo apostou no investimento público o mesmo PSD que há dois anos criticava a falta de investimento público, apesar da grave crise financeira, agora diz que não há dinheiro e critica o mesmo investimento público que defendeu só por receio de a ilusão de crescimento daí resultante poder proporcionar ganhos eleitorais ao PS. Em contrapartida, propõe uma descida generalizada de impostos esquecendo premeditadamente que do ponto de vista orçamental o resultado é o mesmo a curto prazo, se não há dinheiro para investir também não deveria haver para deixar de cobrar impostos, a não ser que Manuela Ferreira Leite tenha na manga uma solução para reduzir a despesa e, como se sabe, a única forma de o fazer é despedindo funcionários públicos, solução defendida por muita gente do PSD há bem pouco tempo, até se adiantava o número de 150.000 funcionários, mas isso fica para a fase inicial de um futuro mandato se os eleitores em má hora a escolheem e as corporações o permitirem (a não ser que aumente as mordomias às corp+orações que estão na posse de segredos incómodos).
A redução dos impostos e do peso da despesa pública é desejável e deveria ser assumida como objectivo de médio e longo prazo, mas nunca funcionará como solução de curto prazo para os problemas criados por uma crise como aquela a que assistimos.
A verdade é que se a intenção é evitar as consequências imediatas da crise, as falências e o desemprego, nem o aumento de investimentos públicos, nem a descida dos impostos são eficazes. A descida dos impostos é mesmo uma mentira pois com as perdas nos lucros e a quebra no consumo já há uma redução das receitas fiscais, seriam as empresas lucrativas a beneficiar desta medida e não são essas as que estão a sofrer com a crise. Se a opção for reduzir o impostos sobre o rendimento então serão os mais privilegiados a beneficiar pois só nesse segmento se conseguiria um aumento significativo da procura e uma redução significativa da carga fiscal. Só que este aumento da procura pouco se reflectiria na economia, aumentar-se-ia o consumo de bens de luxo importados, agravando o desequilíbrio externo que o PSD gosta tanto de recordar.
Por outro lado, o investimento público decidido pelo governo pouco vai animar a economia a curto prazo, o tempo necessário à elaboração dos projectos, à sua aprovação, ao lançamento dos concursos e, por fim, ao início das obras levará a que estas entrem em velocidade de cruzeiro muitos meses depois de esta estratégia ter sido decidida, corre-se mesmo o risco de o país estar a pagar cimento em vez de investir em competitividade quando a crise estiver ultrapassada.
Ora, a mesma Manuela Ferreira Leite que agora tanto critica as previsões económicas andou dois anos a inventar sinais de retoma e a inversão do ciclo económico. Se estivesse enganada como esteve com uma crise que ao pé desta foi uma crisesita depois de reduzir os impostos teria que apostar no investimento público para salvar o emprego já in extremis. Mas depois da quebra da receita fiscal não teia hipóteses de o fazer. A sua estratégia assneta no pressuposto de que a crise é de curta duração e como se sabe da última vez saíu sem ver sinais de retoma.
A verdade é que a crise será superada quando aumentar a procura dos nossos parceiros e a sua superação depende mais do investimento público desses parceiros do que das obras que forem lançadas ou da descida de impostos. A estratégia inteligente seria usar os recursos públicos para reduzir o impacto social da crise económica e apostar na modernização do Estado e das empresas. O problema é, do ponto de vista eleitoral, esta estratégia é pior do que a adoptada pelo Governo ou as que foram propostas pela oposição.
Antes de pensarem na economia os nossos políticos terão que pensar nos votos para que possam governar. O drama é que quando ganham eleições o primeiro problema que enfrentam é precisamente a necessidade de começar nas próximas eleições, raros são os que têm coragem de actuar de forma diferente e se o fizerem correm um sério risco de o céu lhes cair em cima.