Com a política portuguesa a entrar num estado de pasmaceira permanente valeu-nos a ignorância do comandante da PSP de Braga para nos fazer sair da ressaca carnavalesca. Parece que a exposição de um livro cuja capa reproduz a pintura “A origem do mundo” estava a atrair a criançada bracarense ao stand da feira a referida obra literária estava em exposição, os papás descuidados ficaram incomodados por os filhos verem “as partes” assim expostas e a PSP optou por apreender os cincos exemplares do livro argumentando “apresentavam cenas com conteúdo pornográfico, estando os mesmos expostos ao público”.
O BE foi o primeiro a indignar-se com a censura e rapidamente o assunto tornou-se nacional, não tardando muitos a descobrirem a mãozinha governamental. Mas afinal a trapalhada bracarense não passou de um problema cultural do comandante local da PSP, o homem lá se apercebeu de que a capa não reproduzia uma fotografia mas sim uma pintura, isto é, a diferença entre o ser ou não pornográfico não está na imagem mas na forma como se foi produzida. Se fosse obra de um fotógrafo seria pornografia, mas sendo produzida a óleo é obrigatoriamente uma obra de arte.
O país parou indignado, o próprio Público ouviu, juristas, bastonários e constitucionalistas ocupando duas páginas da edição de segunda-feira a tão importante tema. Enquanto o mundo discute a crise o país para porque os paizinhos austeros de Braga têm medo que os putos decidam passar a noite a contar as telhas do telhado imaginando-se em pecado com a modelo de Gustave Coubert, desconhecendo que se imaginariam no regaço de uma rapariga que deve ter morrido há cerca de 100 anos.
O assunto foi tão grave que até o comando nacional se meteu no assunto, afinal a apreensão dos cinco exemplares foi uma medida para evitar males maiores, parece que havia o risco de haver uma sessão de estalada, a PSP só não explicou quem iria participar na sessão de pancada, os pais zelosos e mais quem?
Agora andamos preocupados com a formação cultural dos oficiais da PSP, o Público até descobriu que para se ser oficial da PSP é necessária uma licenciatura pelo que o comandante de Braga deveria saber distinguir as partes do modelo pintadas por Gustave Coubert da passarinha duma checa fotografada por um qualquer fotógrafo desconhecido. É mais ou menos a mesma coisa que um jornalista do Público saber distinguir entre uma fonte de informação e um qualquer bandalho da justiça interessado em fazer política com os segredos de alcova do Ministério Público.
Quem não se pode pronunciar é o defunto Gustave Coubert que não foi a tempo de ver a sua arte usada para ilustrar a capa de um livro com o título “Pornocracia”, muito provavelmente sem pagamento de quaisquer direitos aos seus herdeiros. Isto é, o superintendente de Braga é ignorante porque não sabe distinguir uma obra de arte de uma fotografia hardcore, mas o editor da Teorema que escolheu uma obra de arte para um título sugestivo é que é um homem culto.
Enfim, temos de agradecer ao intendente de Braga e ao livreiro local que nos fizeram sair da letargia carnavalesca e regressar a este Portugal de pequeninos.