Imaginemos que eu dizia que o pároco da minha paróquia tem uma amante e adiantava umas supostas provas, por exemplo, a fotografia de uma beata a picar-lhe o olho numa missa e a puxar a saia para cima numa outra cerimónia eucarística. Coitado do padre, teria que provar aos crentes da capital que nada teria contra a tal senhora e, se estes tivessem dúvidas, teria que apresentar provas consistentes. Mas não seria tarefa fácil, se uma paroquiana lhe mostrava mais um palmo de perna ou lhe passava os beiços pelas faces é porque há algo mais.
A não ser eu, que tinha lançado o boato, todos os outros teriam que colocar as duas hipóteses, o pároco era inocente ou andava mesmo embrulhado com a beata. Os crentes que o supunham culpado exigiriam que o bispo provasse a sua inocência, senão nunca mais iriam à missa. Entre os que apostariam na inocência do bispo haveriam dois tipos, os que ficaram convencidos com a convicção de D. José, e os que continuariam a ir à missa mesmo que levasse a tal beata ao colo.
Se os crentes insistissem em confiar no desgraçado do padre iria à missa do sábado seguinte distribuir mais umas fotografias, agora mostrava uma à porta do padre, isto é, já a poucos metros da sua cama. Não haveria dúvidas de que o clérigo ou tinha ido para a cama, ou tinha emprestado a cama a alguém que desfrutou da beata ou sabia que a dita tinha pecado sob as suas barbas. O padre estava feito, como iria provar que o beijo foi um mero cumprimento, que a senhora estava a coçar a perna e que só lhe tocou à porta para lhe dizer que tinha uma janela aberta por esquecimento?
Para os autores da tal sondagem teria que ser o pároco a provar a sua inocência e eu, que tinha lançado a acusação, ficaria tranquilo a avaliar os prejuízos. Ninguém perguntaria aos crentes da paróquia sobre a qualidade das provas ou se achavam que, em vez de seu eu a provar que o padre se tinha divertido nas partes da senhora, deveria ser o padre a provar que não aconteceu algo que de facto não aconteceu. Se a senhora ainda fosse virgem alguém diria que isso não era suficiente para excluir a existência de pecado, aliás, as outros comportamentos são ainda mais pecaminosos. Coitado do padre.
Perguntar aos paroquianos se o padre os tinha convencido na inocência era mesmo tramar o pobre servo de Deus, é óbvio que não conseguiu provar nada, até porque nada tinha para provar. Restava aos estatísticos perguntar se continuariam a ir à missa desse padre, mas isso pouco adianta, uns tempos depois os paroquianos esqueceriam e deixariam ir à paróquia vizinha, na próxima Missa do Galo todos estariam esquecidos, os mais reticentes perdoariam o pároco pelo pecado não cometido e voltariam a comungar juntos.
A forma como os inquiridos foram questionados nesta sondagem da Católica faz-me lembrar o pobre padre, é como se tivessem ateado o mato e depois fossem perguntar às pessoas se havendo fumo acham que há fogo. Tal como no exemplo do padre ninguém questiona a qualidade das provas, vão questionar sobre as contra-provas apresentadas por Sócrates, até parece que foram os beneméritos anónimos que venderam o processo a retalho aos jornais que encomendaram a sondagem, para se certificarem de que se alcançaram os resultados pretendidos.
Confio na honorabilidade dos estatísticos da Católica mas já não confio assim tanto na sua inteligência e formação cívica. Já em relação aos jornalistas envolvidos nesta manobra nem confio na sua formação cívica nem na sua honorabilidade pois eles sabem muito bem que Sócrates que quem lançou a acusação é que deve provar a culpa, isto porque como bons jornalistas que são esqueceram as regras mais elementares da justiça e acham que a justiça é um auto de fé que deve ser feito no adro da igreja.