Os quatro casos de suspeitos de corrupção investigados pelo Ministério Público de que tenho algum conhecimento levam-me a desconfiar dos métodos, da competência e mesmo da formação dos nossos procuradores.
Uma das vítimas acabou por morrer por doenças cujo agravamento pode se associado àquilo por que foi obrigado a passar, chegou mesmo a ter dificuldades de acesso à insulina para combater os diabetes. O seu nome foi associado a tráfico na comunicação social, foi a julgamento sem que o MP tenha apresentado qualquer prova, mais com base no diz que disse e na imaginação fértil dos investigadores.
A segunda vítima era um dos técnicos mais brilhantes que conheci na Administração Pública o que suscitou o receio de dirigentes muito ciosos do seu lugar. Foi investigado durante anos, o seu nome foi aturado para a lama da comunicação social, foi escutado, vigiado e alvo de buscas, gastou imenso dinheiro em advogados, acabou na ruína, abandonou o país, foi para o Brasil e daí para Timor. Depois de destruído e arruinado o MP acabou por arquivar o seu processo.
A terceira vítima viu o nome enlameado sistematicamente na comunicação social, foi alvo de buscas a casa com base em cartas anónimas, o seu processo acabou por ser arquivado com o reconhecimento da sua inocência.
A quarta vítima foi elogiada em pleno julgamento onde o MP foi enxovalhado pelo juiz que considerou que estava perante um funcionário exemplar.
Quando o Ministério Público passa a mensagem de que os corruptos se escapam ficamos com a ideia de que lhes faltam meios de investigação e que apesar de serem competentes e “darem o litro” se escapam porque a lei protege os corruptos e, ainda por cima, estes contam com bons advogados. As estatísticas não são estudas, as situações não são discriminadas e a sua divulgação obedece muitas vezes a objectivos de propaganda que vão de encontro a interesses corporativos.
Em Portugal se um político ou alto funcionário for suspeito de um crime passa ao estatuto de animal sem direitos, é escutado legal ou ilegalmente, a casa é alvo de buscas, os investigadores conseguem o que querem dos juízes de instrução com base em meras suspeitas, em cartas anónimas ou mesmo em dicas. Depois de os suspeitos terem sido enxovalhados em público, de terem gasto dinheiro com advogados, de terem sido humilhados sistematicamente os processos arrastam-se até que, quando já estão esquecidos, vão a julgamentos com base em acusações da treta ou são arquivados sem direito à reparação do bom nome das vítimas.
Mas parece que escutas a torto e a direito, com gravações das redes fixas ou móveis ou mesmo com recurso a equipamentos portáteis que nenhum juiz é capaz de controlar, buscas ao domicílio, vigilâncias com fotos e vídeos e acusações com base na imaginação criativa dos procuradores não basta. Também não bastam os julgamentos na praça pública como garantia de que os suspeitos serão condenados mesmo que não cheguem a ir a julgamento. É preciso mais.
O país vive numa paranóia alimentada por procuradores que usam o poder para condicionar e pressionar o poder político, já se é suspeito por ter dinheiro com a inversão do ónus da prova, já querem introduzir o perdão aos denunciadores. Mas mesmo assim é pouco, uma conhecida procuradora já propôs investigações preventivas, aplicando à justiça os princípios da medicina preventiva. Todos somos suspeitos e por isso não basta sermos investigados com base em indícios, nalguns casos já se deve investigar a título preventivo.
Por este andar quando um português nascer em vez de se ir ao registo civil vai-se ao Ministério Público para que se produza a competente certidão que dê lugar à devida investigação e o nado vivo ainda antes de ser português já foi constituído arguido. Isto não é combater a corrupção ou o crime, é destruir a democracia, porque uma democracia tutelada por polícias e magistrados não é uma democracia. Isto não é habilitar os investigadores de meios de investigação, é transformá-los em sacerdotes justiceiros numa sociedade tutelada por justiceiros.