quarta-feira, outubro 17, 2007

Uma nova Constituição?


É verdade que a Constituição tem referências que a ancoram a um período da história de Portugal, mas isso é verdade para qualquer Constituição, da mesma forma que o é para todos os documentos humanos.

Uma nova Constituição porque está impregnada de 25 de Abril?

Pessoalmente considero que não viria mal ao país se a Constituição dispensasse valores que estão longe de ser universalistas e imutáveis. Mas a verdade é que a democracia não se alcançou de forma evolutiva e quando a Europa a adoptou como modelo de governação, a democracia. A Constituição faz parte dessa democracia, é um dos seus símbolos, se é um símbolo dessa época isso só sucede porque só nessa ocasião os portugueses conseguiram impor a democracia a uma direita que, de forma mais ou menos assumida, optou pela vantagens económicas e políticas que obteve mantendo uma ditadura anacrónica.

O que está a mais na história de Portugal não é a Constituição de 1976, o que nos envergonha enquanto povo não é a simbologia da Constituição, é termos sido cobardes ou sacanas ao ponto de termos mantido ou imposto uma ditadura até aos anos 70. De resto, a mesma direita que governou em ditadura foi vanguarda na defesa do socialismo na actual Constituição.

Com os mesmos argumentos com que alguns defendem uma nova Constituição poder-se-ia defender uma nova Bíblia ou um novo Corão. Existirão alguns documentos mais anacrónicos do ponto de vista do enquadramento histórico dos valores e princípios que transmitem.

Uma nova Constituição feita pelo PSD?

Prefiro uma Constituição elaborada nos anos 70 fruto do debate de uma Assembleia Constituinte do que uma constituição feita por um grupos de técnicos convidados para o efeito pelo presidente da câmara de Gaia. Prefiro uma Constituição feita por representantes eleitos pelos portugueses do que um documento apresentado para negociações nos bastidores do Parlamento, depois de ouvidos o Compromisso Portugal e os ex-ministros de Cavaco Silva.

A Constituição impede o desenvolvimento do país?

O PSD já governou uma boa dúzia de anos com as actuais regras e não me recordo de ter havido alguma medida importante que tenha ficado por adoptar em consequência da Constituição. É evidente que a Constituição impõe limites, mas é para isso mesmo que ela serve, para que a democracia seja respeitada, para que os mais fracos não fiquem à mercê de abusos de poder, para que cada legislatura não seja transformada num regime político.

Foram muitas mais as decisões e medidas adoptadas ou que deixaram de ser adoptadas por vontade de alguns grupos de interesses do que devido aos princípios ou aos limites da Constituição.

Um Tribunal Constitucional substituído pelo Supremo?

Pelos acórdãos do Supremo que de vez em quando tenho lido mais valia acabar com a Constituição. Substituir um Tribunal cuja composição reflecte a mudança da sociedade enriquecendo a interpretação da Constituição por magistrados de carreira, seleccionados ao longo de dezenas de anos em função de critérios conservadores e corporativos?

Luís Filipe Menezes deveria estar mais preocupado com a democracia do PSD do que com a democracia do país, deveria ter mais dúvidas em relação ao seu Conselho de Jurisdição do que em relação ao Tribunal Constitucional. É bem mais perigoso para a democracia e para o desenvolvimento económico a escolha de uma liderança partidária por um processo estranho, que se assemelhou a uma opa em que ganhou quem comprou mais votos, do que uma Constituição que tem o condão de lembrar à direita conservadora que em Portugal houve um 25 de Abril e que os seus representantes na Assembleia Constituintes foram tão cobardes que até defenderam o socialismo.