terça-feira, julho 29, 2008

No tempo em que Portugal tinha muito dinheiro


Bebedouro na Praça do Comércio
(Fotografia de Joshua Benoliel, Arquivo Municipal de Lisboa)

Nesse tempo o país nadava em divisas, não se sabia o que era o défice comercial, as contas públicas tinham sido postas na ordem e o Estado amealhava dinheiro. Esse tempo foi há muito, muito tempo.

Que saudades que temos todos da fartura e da transparência das contas públicas, quando os reembolsos do IVA e do IRS eram processados a tempo e horas, sem retenções abusivas para compor os défices orçamentais a apresentar a Bruxelas. Era um tempo em que João Cravinho nem se preocupava muito com a corrupção, António Borges, que migrou no sentido inverso ao de Cravinho, vivia tranquilamente em Londres, sem ter que se preocupar com o buraco nas trocas comerciais ou com o endividamento dos portugueses, que nem sabiam o que era o cartão Visa ou o crédito bancário, até tinham dificuldades em gastar o dinheiro.

Era um tempo em que Portugal tinha dinheiro para pagar submarinos a pronto, Ferreira Leite, a senhora que em boa hora foi escolhida para ministra das Finanças desse tempo, nem pestanejou ao assegurar que havia dinheiro em barda para que os nossos almirantes pudessem andar debaixo de água sem respirador nas orelhas. Manuela Ferreira Leite estava tranquila, os submarinos seriam pagos a pronto, não comprometeriam as contas de futuros governos e, portanto, nem era necessário pedir a opinião do partido que poderia suceder no governo. Aliás, nesse tempo as sondagens não eram fiáveis e portanto nada apontava para uma alternância, além disso o Processo Casa Pia garantia que a alternâcia não era coisa para breve.

A fartura era tanta que o governo juntou-se em Óbidos para anunciar uma chuva de investimentos na investigação, aliás, o dinheiro era tanto que ainda neste Verão caíram uns aguaceiros de euros em Lisboa.

Era mesmo um tempo de fartazana, um tempo em que o Aznar chegava de manhã e à tarde já Ferreira Leite tinha posto de lado o dinheiro necessário para construir um TGV em cada canto e outro a passar pelo meio, com destino a Badajoz, a terra dos míticos caramelos de que todos os portugueses gostam, com excepção dos que usam placa. E nem pestanejou, havia dinheiro com fartura, o TGV era um negócio fiável e como havia dinheiro em excesso até os candidatos à sucessão de Barroso poderiam estar descansados pois não teriam que suportar a fartura.

Era um tempo de fartura, mas foi hà tanto tempo que nem a própria Ferreira Leite se lembra e António Borges andava tão ocupado com as contas e os prémios da Goldman Sachs que nem deu por isso. Que saudades eu tenho desse tempo!