quarta-feira, agosto 25, 2010

Expliquem-me melhor

Ainda não percebi muito bem tanta preocupação com a promoção do negócio da saúde privada ao ponto de quererem alterar a Constituição da República de forma a ser o Estado a a transformar em negócio uma parte daquilo que hoje é um serviço público.

Tanto quanto sei não existem barreiras à promoção de novos negócios na saúde e por aquilo a que tenho assistido os investimentos que foram feitos no sector até têm corrido muito bem. A empresas estão bem, beneficiam da clientela financiada por fundos públicos graças, por exemplo, aos acordos com a ADSE, recrutam de mão de obra qualificada recrutada (no futebol dir-se-ia que a custo zero) nos hospitais públicos sem terem que investir na sua formação e especialização, gastando menos em formação de recursos humanos do que qualquer outro secto.

O SNS é mesmo um excelente parceiro da medicina privada em Portugal pois os hospitais privados prestam os serviços mais lucrativos remetendo para os hospitais públicos os doentes cujos tratamentos são economicamente inviáveis ou quando estes deixam de ter capacidade financeira para suportar os custos. Os hospitais privados têm excelentes equipas médicas sem que tenham tido necessidade de investir na sua formação e ainda beneficiam do trabalho de modernização e investigação dos hospitais públicos, onde uma parte do seu corpo clínico se mantém. Nem sequer precisam de marketing pois muitos dos seus médicos que mantêm posições nos hospitais públicos onde actuam como promotores comerciais, sugerindo aos doentes endinheirados que serão melhor tratados no sector privado. Diria que de um ponto de vista liberal é bem mais grave a rede de promiscuidade entre sector privado e SNS que permite ao primeiro desnatar o segundo do que as normas constitucionais.

Se a medicina privada em Portugal está a ser tão bem sucedida, não enfrenta barreiras legais à sua expansão, não tem custos com formação de quadros, beneficia de uma triagem entre clientes ricos e clientes pobres do SNS e, tanto quanto sei, nenhuma empresa foi à falência apesar da crise que afecta a generalidade dos sectores económicos, onde a regra são as falências e o desemprego, não percebo o porquê de tanto empenho dos nossos liberais no neste sector.

Compreenderia a sua preocupação se o sector estivesse em crise devido à concorrência desleal do sector público, aceitaria a revisão constitucional se existissem barreiras legais ao investimento no sector, estaria preocupado com a sua sobrevivência se ocorressem mais falências do que noutros sectores da economia, admitiria protestos se o Estado impedisse a saída sem contrapartidas dos seu melhor pessoal clínico. Mas nada disto sucede.

Não percebo, portanto, porque razão os nossos liberais estão tão preocupado com um sector onde tudo corre bem, faria mais sentido que aplicassem os seus bons princípios liberais à defesa da concorrência em sectores onde a regra é o oligopólio e a concertação de preços (combustíveis, banca, telecomunicações, etc.) ou onde empresas poderosas impõem a sua posição dominante para absorver a riqueza criada pelos seus fornecedores (grandes superfícies). Parece-me que os prejuízos resultante da evasão fiscal para a sobrevivência da concorrência nos mercados são bem piores do que aqueles que o SNS provoca ao Grupo Mello e é de estranhar que tendo o PSD um vice-presidente especializado em fisco nada proponha neste domínio.

Seria mais interessante se os bons princípios liberais, com os quais concordo em boa parte, fossem usados para encontrar soluções para sectores onde os desvios de concorrência levam muitas empresas à falência. Não percebo muito bem e espero que me expliquem melhor, porque razão os ideólogos do PSD estão tão preocupados com sectores lucrativos onde não há registo de problemas e não dizem uma palavra sobre a inexistência de transparência em muitos mercados, desde o financeiro onde o inside trading faz fortunas de um dia para o outro ao da distribuição onde dois empresários enriquecem à custa do país.