Manuela Ferreira Leite disse a brincar que seria necessário suspender a democracia durante uns meses para promover as reformas de que o país carece. Retirada do contexto do debate eleitoral e despida do humor com que foi dito começa a ser evidente que tinha alguma razão, quando o país foi governado com a maioria absoluta todos se opunham às reformas e exigiam diálogo, agora que o falso fantasma do autoritarismo não pode ser agitado faz-se do diálogo um jogo de cartas, cheio de bluff.
A frontalidade, a honestidade, o saber e o humor que Manuela Ferreira Leite tinha em demasia, tem Pedro Passos Coelho a mais. Faz um ar sério quando fala mas as suas propostas não só não têm seriedade como mudam de dia para dia, Faz um ar sabedor mas se começa a ser evidente que se limita a dar a voz ao que Ângelo Correia ou Nogueira Leite pensam. Quanto a humor foi o que se viu no congresso quando Alberto João Jardim o deixou a falar sozinho no palco.
Passos Coelho descobriu uma alternativa à ditadura de que Ferreira Leite falou a brincar, não se suspende a democracia mas põe-se Sócrates a fazer o que o FMI mandar durante um ano ou dois, depois vai-se a eleições colher os frutos das medidas duras e já se pode governar com a sensação de que se vive em tempo de vacas gordas, até já será vantajoso promover os grandes projectos que agora reprova. Com alguma sorte o FMI exige a liberalização dos despedimentos e a privatização de alguns serviços do Estado e terá aí o argumento para impor a revisão constitucional do Paulo Teixeira Pinto.
Passos Coelho e os seus mais próximos perceberam que não está à altura para defrontar Sócrates e, pior do que isso, a quebra abrupta nas sondagens, a maior queda em tão pouco tempo de um partido português em muitos anos, não corresponde apenas à incompreensão dos portugueses ou a uma suposta intoxicação, uma queda tão grande e tão rápida só pode ser entendida como uma perda de credibilidade.
Sabendo que não podem ir a eleições nos próximos meses e com a economia a dar sinais de recuperação perceberam que correm um sério risco de ver o líder do PSD substituído antes de se realizarem eleições legislativas. Sem mais processos do tipo Freeport ou Face Oculta para derrubar Sócrates, em margem para lançarem e se aproveitarem eleitoralmente de uma crise política resta-lhes a política da terra queimada, apostam na crise financeira para retirarem margem de manobra ao governo e impondo-lhe as medidas que a direita exige mas não quer assumir.
Para isso nada como vir o FMI evitar que tenham de dar a cara concretizando as medidas de redução da despesa pública que exigem mas não concretizam. Quando Ângelo Correia defende que se for necessário governa-se sem orçamento, quando Pedro Passos Coelho condiciona a aprovação do orçamento à não adopção das medidas do PEC que aprovou e foram assumidas por Portugal como um compromisso perante as instituições internacionais e os investidores estrangeiros, está a apostar tudo numa crise financeira.
Tanto Passos Coelho como Nogueira Leite sabem que sem mexer nos impostos Portugal caminha para a crise financeira, e é por o saberem que põem como condição para qualquer diálogo que não se mexam nos impostos. É o argumento perfeito para fazendo de conta que defendem os portugueses, defenderem acima de tudo os negociantes do sector da saúde fortemente representados na actual liderança do PSD.
Depois de perder credibilidade política Pedro Passos Coelho mostra a sua falta de dimensão política ao não hesitar em lançar o país no descrédito e na crise financeira para salvar-se a si próprio, actuando como se o país fosse uma associação de estudantes. É uma estratégia velhaca, mas a velhacaria é a arma intelectual dos meenos dotados.
Ferreira Leite tinha razão, com políticos destes a democracia é uma brincadeira perigosa.