segunda-feira, junho 20, 2011

Padres, magistrados, militares e professores universitários importados

Tenho uma grande desconfiança em relação a grupos profissionais que vivem de e para o seu próprio circulo, criam os seus próprios códigos de valores, julgam-se superiores à sociedade que os rodeia e revelam dificuldades em conviver com ela. A regra é comportarem-se fora do seu meio como elefantes numa loja de cristais. Recordo-me de um ministro cheio de doutoramentos que costumava pedir a uma auxiliar que lhe fosse comprar os preservativos mas era tão desastrado que uma vez deu-lhe dinheiro insuficiente, a senhora regressou da farmácia e foi pedir a diferença ao pessoal do secretariado dizendo às colegas qual a “receita” que tinha ido aviar.

No mesmo fim de semana em que hiper-merceeiro Belmiro enchia a Rua Augusta de produtos supostamente nacionais(não sei de onde terão vindo pois fui ao Continente e, por exemplo, nas frutas apenas os limões e uma variedade de maçãs era nacional) a nossa comunicação social derreteu-se a elogiar os doutores vindos do estrangeiro para o governo, como se ser professor numa universidade americana (ou canadiana que vai dar ao mesmo) fosse símbolo de superioridade técnica.

Sejamos francos, na América há universidades que estão abaixo das nossas Novas Oportunidades tão criticadas por Passos Coelho, aliás, por cá sucede o mesmo, começando pela universidade onde parece ser moda os nossos primeiros-ministros estudarem. Aliás, não deixa de ser tão ridículo elogiar o percurso académico dos ministros e ignorarem o do primeiro-ministro.

Há universidades americanas onde as aulas práticas de econometria devem ser feitas nas pistas, uma coisa é ser professor numa universidade da Ivy League, outra é ser de uma qualquer universidade de segunda ou terceira linha. A diferença é tal que as universidades da Ivy League recusam cartas de recomendação aos seus doutorados se pretenderem leccionar nessas universidades. Essa coisa de nos virem dizer que fulano tal é uma sumidade porque dá umas aulas numa universidade da América e até escreveu um livros cheio de banalidades é vender gato por lebre e ofender os professores das nossas universidades, muitos deles com maior credibilidade universitária do que a vedeta que veio do Canadá.

A nossa saloiice leva-nos a desprezar os que cá estão e a elogiar todos os que vêm de longe, esquecendo que por ministérios como o das Finanças já passou gente com maior credibilidade académica que os “estrangeiros” que Passos Coelho nos trouxe, foi o caso de pessoas como Miguel Beleza ou Braga de Macedo, cujo palmarés universitário deixa muito atrás o dos futuros ministros das Finanças ou da Economia. Mas a verdade é que a regra dos grandes académicos que passaram pelos governos foram verdadeiros falhanços, foi o caso dos dois ministros das Finanças que pertenceram a governos de Cavaco Silva ou de Daniel Bessa que integrou o governo de António Guterres.

Não sei muito bem para quê tanta exigência curricular para o cargo de ministro das Finanças, a experiência mostra que à excepção de Sousa Franco os nossos melhores ministros das Finanças foram Miguel Cadilhe e Eduardo Catroga, um não tem grande palmarés universitário e o outro é um mero licenciado com o estatuto de professor catedrático do ISEG a tempo parcial 0%. E porque razão foram bons ministros?

Essa coisa da política económica ocupa um ministro das Finanças um par de dias, é muito bom para exibir no currículo mas os constrangimentos orçamentais são tais, maiores ainda com o acordo com a troika, que os verdadeiros obreiros dos orçamentos são os directores-gerais do Orçamento. Mas os debates orçamentais ocupam dois meses ao ministro, o resto do tempo é controlo orçamental, isto é, cobrar impostos e controlar administrativamente a despesa. É por isso que Eduardo Catroga, Miguel Cadilhe e Sousa Franco foram os melhores ministros, foram os únicos que se deixaram de caganças académicas e de salamaleques com os banqueiros, tão ao gosto de Teixeira dos Santos, em vez disso arregaçaram as mangas e geriram bem a máquina fiscal, escolheram gente capaz, não lançaram confusão nas organizações e asseguraram elevados níveis de eficácia fiscal.

Duvido que ratos de gabinete ou Santas Zitas académicas estejam à altura das responsabilidades e da situação difícil, espero estar enganado mas experiência passada faz recear o pior. Duvido que gente que conhece o  mundo através de axiomas, que desconhece a realidade nacional e que nunca geriu uma empresa do tamanho de uma mercearia esteja à altura dos actuais desafios. Isto não é tarefa para as abelhas mestras  que têm o exclusivo da reprodução, é trabalho para as obreiras. De que nos servem grandes académicos se já temos a receita? É como se a receita fosse passada por um médico de clínica geral e só fosse eficaz se na farmácia estivesse um catedrático de medicina para a aviar.