quinta-feira, junho 09, 2011

Tratar o cão com o pêlo do próprio cão

Sócrates prometeu criar 150.000 empregos durante a legislatura e pagou cara a promessa como, aliás, aqui previ. É evidente que durante os governos de Sócrates foram criados muitos empregos e alguns deles por influência das suas políticas. Também é verdade que durante o mesmo período foram destruídos alguns empregos e certamente que muitos em consequência directa ou indirectamente ds sua políticas. Talvez merecesse a pena discutir como avaliar o emprego criado por um governo, seria interessante, por exemplo, questionar quantos jovens estão agora à rasca em consequência das políticas de educação e de formação dos governos de Cavaco Silva, precisamente os governos que tiveram maior papel na forma como estes jovens foram ou não preparados para o futuro. Da mesma forma estaremos a discutir daqui a dez anos as consequências das apostas de Sócrates neste domínio, isso se a contra-revolução de Passos Coelho não arrasar o muito que foi feito.

A verdade é que quem neste momento prometer a criação de emprego está a mentir, uma boa parte dos nossos desempregados não terão qualquer hipótese nos próximos tempos, uma boa parte deles nunca a terá e uma parte significativa terá emprego à custa da destruição de qualquer expectativa de futuro.

Quem vai empregar a imensidão de jovens à rasca com cursos inúteis tirados em universidades sem qualquer qualificação e depois de anos sem aquisição de experiência profissional?

Quem vai empregar as muitas dezenas de milhar de desempregados que resultaram do encerramento do pequeno comércio provocado pelo inevitável aumento exponencial das grandes superfícies ou dos também muitos milhares de restaurantes que fecham em consequência da mudança de hábitos de consumo e da concorrência do fast-food?

Quem vai empregar os milhares de trabalhadores desempregados da construção civil com mais de quarenta anos quando se sabe da preferência dos construtores civis por emigrantes mais jovens, mal remunerados e sem grandes direitos?

É verdade que as hiper-mercearias de Belmiro de Azevedo e de Soares dos Santos criam emprego, mas não é a senhora da padaria que dantes nos atendia que que vai trabalhar no Continente ou no Pingo Doce, é a jovem disposta a trabalhar em part-time nas suas caixas, o jovem licenciao que aceita umas horas como repositor. Isto é, muito do emprego que vai ser criado poderá afectar positivamente o saldo do desemprego, mas muitos dos desempregados continuarão a sê-lo e muitos dos jovens que se desenrascarem terão de se esquecer dos seus cursos de relações internacionais ou de direito e aceitar empregarem-se como desqualificados e sem quaisquer direitos laborais, os que tiverem uma cara mais bonita talvez tenham a sorte de ir para os balcões da Vodafone ou da agência de viagens de Belmiro de Azevedo.

Quem vai empregar os milhares de operárias têxteis cujas fábricas encerraram ou partiram para onde os salários são metade, um terço ou um quarto dos nossos? Quem vai empregar os trabalhadores agrícolas que deixaram de ter trabalho em consequência da falência do sector agrícola? Sejamos honestos, a resposta é ninguém. Ningém vai investir em empresas de mão de obra intensiva para concorrer com os chineses o indianos e as explorações agrícolas capazes de competir no mercado europeu exigem trabalhadores com qualificações que não enconramos na nossa população agrícola.

Uma descida significativa da TSU criará alguns empregos, principalmente a longo prazo, mas se uma empresa precisa de uma descida da TSU ou que o salário mínimo não aumente para criar emprego isso significa que estamos a falar de emprego não qualificado, significa que apostamos em sectores que estão quase falidos e que mais tarde ou mais cedo sucumbirão à concorrência das economia emergentes.

Portugal sempre teve problemas estruturais ao nível da criação de emprego, nunca conseguiu proporcionar emprego a todos os portugueses a não ser durante o período de ilusão criado pelos fundos comunitários. No passado foram as colónias e a emigração que absorveram os excedentes de mão-de-obra, no antigo regime o condicionamento industrial, o proteccionismo e a aposta em sectores de mão-de-obra intensiva protegidos no quadro da EFTA ajudaram a resolver o problema com a aposta em sectores como o têxtil. Agora nenhuma destas soluções está ao dispor dos governantes.

Nem mesmo a emigração pela qual se vertem muitas lágrimas de crocodilo é solução, a verdade é que muitos dos que saem do país já não são os agricultores analfabetos que passavam a fronteira a salto. Agora são os melhores quadros que saem do país atraídos por economias que carecem desses mesmos quadros, e ao mesmo tempo chegam emigrantes menos qualificados que agravam a as dificuldades dos que cá ficam. Portugal está a perder quadros preciosos em que o Estado investiu muito, da mesma forma que perde os seus capitais que fogem para as off-shores ou vê fugir as suas empresas para mercados mais competitivos, é a conseqência de sermos uma economia pouco competitiva num espaço de liberdade de circulação de mercadorias, de capitais e de mão de obra. A mesma globalização que nos traz os gadgets made in China levam-nos os capitais e os jovens mais qualificados.

Tudo o que seja prometer emprego é mentir, nenhum governo resolverá o problema do desemprego em menos de uma geração e se a aposta for no mesmo modelo económico miserabilista alimentado por mão-de-obra barata nunca será resolvido e um dia saberemos o que é uma bancarrota a sério. Mas os que optaram pela crítica fácil ao longo dos últimos anos, os que mentiram os portugueses criticando todas as medidas ao mesmo tempo que se ignoraram as verdadeiras causas dos problemas da economia portugueses não poderão agora lembrar-se de que há uma crise internacional, que o défice comercial é um problema estrutural, de que não existe capial de risco, de que as nossas empresas não seguram os nossos melhores jovens, não têm autoridade moral para o fazer. 

Se não fosse estar em causa o futuro do país e a sobrevivência das próximas gerações mereciam ser tratados com a mesma leviandade e o mesmo oportunismo com que se comportaram no passado recente, merecem aquilo a que se chama tratar o cão com o pêlo do próprio cão.