terça-feira, maio 08, 2012

O milagre do merceeiro




Um dos aspectos mais curiosos e talvez o maior milagre da acção promocional do Pingazedo foi ter unido a direita governamental ao Bloco de esquerda, talvez não se trate de um verdadeiro milagre pois andaram unidos durante mais de uma legislatura, mas não deixa de ser uma curiosidade.
  
O discurso governamental foi assumido pela ministra Assunção Cristas que se manifestou preocupada em saber quem iria pagar a campanha, para usar as suas próprias palavras “saber quem é que vai, no fundo, suportar esta campanha”, acrescentando: «é o que nos preocupa (...), que é saber em que medida é que este tipo de práticas pode depois levar a repercutir sobre a produção e a agroindústria mais valores que não foram acordados previamente».
  
Tal como Assunção Cristas prometeu também Louçã exigiu “uma regulamentação que permita que as grandes superfícies ou os distribuidores não possam tirar ao consumidor e ao produtor e ter taxas de lucro desta ordem” prometendo propor legislação «que já apresentou no passado para fixar margens, regras e contratos entre os distribuidores e produtores e para proteger produtos essenciais».
  
O que Cristas, em representação do governo, e Louçã disseram foi rigorosamente o mesmo e os pressupostos do discurso é igualmente o mesmo, a grande distribuição são os maus que ficam com os lucros e os produtores são os coitados. Aos produtores o BE acrescenta as pequenas e médias empresas enquanto a ministra refere a agroindústria.
  
Temos, portanto, um sector, o da distribuição, que é pecaminoso porque nada produz e tem muitos lucros e do outro os que produzem e são forçados a ter prejuízos. O discurso da direita e da esquerda conservadora não só é precisamente o mesmo como assenta em pressupostos ideológicos, senão mesmo religiosos, iguais, até poderíamos recuar no tempo e concluir que têm nos fisiocratas a sua raíz comum.
  
O discurso só diverge na discussão da repartição dos benefícios, enquanto a ministra quase ignora os consumidores a esquerda conservadora não o pode fazer pois é entre os consumidores que está a classe trabalhadora, os explorados que enquanto consumidores são duplamente explorados. O BE é mais generoso para com os consumidores ao defender descontos todos os dias do ano, a direita preocupa-se mais com os produtores, isto não é mais do que a tradução dos valores ideológicos, para a esquerda a pureza ideológica está numa classe operária promovida a vanguarda do proletariado, para a direita é o rural, homem conservador, temente a Deus e bom chefe de família (algo que no proletariado significa ser do Benfica).
  
Pouco interessa à direita ou à esquerda saber quem cumpre as regras já existentes em matéria de legislação laboral, de higiene, de qualidade, pouco importa saber quanto do que se produz e é comercializado nas grandes superfícies é comprado à China ou a outros países que praticam dumping social e não respeitam quaisquer direitos laborais ou normas ambientais. O que importa à direita e á esquerda conservadora é que há bons de um lado e maus do outro e que tudo o que venha de uns é pecado e tudo nos outros são virtudes.