Com a chuva a apagar os incêndios os jornais precisam de novos temas, de preferência algo que cheire a escândalo e que alimente suspeitas picantes. Depois das acusações de falta de coordenação no combate aos incêndios vêm as suspeitas em relação aos funcionários e dirigentes do Estado. Os jornais vendem papel e a direita tenta capitalizar, evitando os debates de que foge como o diabo da cruz.
É óbvio que as recentes notícias em relação a viagens pagas por tecnológicas já cheiram a vingança e manipulação da opinião pública. Estas viagens são uma fonte inesgotável para os jornais, durante anos estabeleceu-se uma relação entre Estado e tecnológicas em que estas viagens eram tidas e tratadas como normais.
O que se passa neste setor não difere em nada do que sucedia com os congressos de medicina, trata-se de um setor onde a informação e formação disponibilizada pelas empresas é importante para os clientes, seja o Estado ou privados, ao mesmo tempo que a coberto da formação as empresas tecnológicas disseminam o seu marketing e observam os quadros que participam nas suas ações, obtendo informação útil para contarem com uma bolsa de profissionais, que poderão contratar para viabilizar futuros negócios.
Bem mais corruptas são as viagens que as grandes empresas portuguesas pagam a jornalista e que são retribuídas com artigos laudatórios dessas empresas, dos seus donos e administradores, senão mesmo com o silêncio de notícias incómodas. Basta analisar as notícias sobre as empresas com granes orçamentos publicitários (banca, telecomunicações, setor automóvel, distribuição alimentar, café, etc.) para percebermos que a informação relativa a essas empresas é altamente manipulada. Piro ainda, quando os patrões dessas empresas decidem intervir na política fazem-no através da comunicação social e sem terem de dar a cara.
O debate em curso não passa de um debate da treta e com as chuvas a apagarem os incêndios vem mesmo a calhar. Mesmo sabendo que as viagens em causa ocorreram quase todas durante a anterior legislatura, a imagem que passa é a de um Estado abandalhado e incompetente, o estereótipo de que a direita se serviu para adotar medidas de austeridade brutal no sector público e que tem vindo a usar para não discutir a realidade económica do país, preferindo a imagem de um país desgraçado.
É evidente que, tal como sucedeu com as iniciativas das farmacêuticas, devem ser adotadas regras claras no sector tecnológico, o que não significa que as viagens a que a comunicação social se tem referido tenham algo de suspeito. Tanto quanto sei muitas destas viagens podem estar enquadradas nos contratos assinados no âmbito do fornecimento de equipamentos ou de prestação de serviços, tendo essas viagens sido autorizadas e as faltas justificadas por se considerar que os funcionários estavam em serviço. A reação do ministro da Saúde foi extemporânea e excessiva, daí que um dia tenha mudado de discurso perante o risco de perder quadros que dificilmente conseguirá substituir.
Pessoalmente estou mais preocupado em saber se as agências de notação nos tiram do lixo, se o governo vai eliminar o brutal aumento do IRS que me foi imposto, se um cenário de um segundo resgate está posto de lado, se este ciclo de crescimento se vai prolongar, se o desemprego vai continuar a cair, se o país vai apostar mais na formação e educação, se o governo vai desmontar o que resta da experiência falhada da desvalorização fiscal. Quero lá saber o que comeram ao pequeno-almoço os convidados da ORACLE ou que entretenimento foi proporcionado aos quadros que viajara a convite de empresas.