Não compreendo do o sassarico que por aí vai a propósito das viagens, afinal sempre ouvi elogiar o espírito aventureiro dos portugueses, a sua voacação e dar novos mundos ao mundo, o nosso impulso para nos fazermos ao mar em busca de novos horizontes. Ainda nos arriscamos a que os magistrados, essas pilares morais da sociedades, verdadeiras Donas Dorotéias da "Gabriela", ainda se lembrem de instituir um delegado junto da Torre do Tombo para investigares as muitas viagens feitas no passado, até porque há ainda muitas dúvidas sobre algumas.
A verdade é que os portugueses adoram viajar, seja para visitar um hospital chinês ou para investigar o Caso Freeport em Londres. Não admira que se criem tantas oportunidades para que se saia daqui para fora durante uns dias.
No Estado não faltam oportunidades, a participação e múltiplas organizações internacionais constituem um imenso mercado de turismo institucional. Os mais sortudos conseguem uma cunha política e vão para a REPER em Bruxelas ou são colocados como agentes de ligação em muitas embaixadas. Os outros disputam a numerosas reuniões e seminários internacionais, designadamente, os da União Europeia, que apresentam a vantagem de serem custeados com fundos europeus. Vale de tudo um pouco, os mais sortudos conseguem até fazer-se acompanhar das namoradas, funcionárias cujo brilho intelectual fundamenta o despacho concordante do superior.
Nas autarquias é o ver se te avias, não há concelho do país que não esteja geminado, os autarcas passam a vida a retribuir as viagens feitas pelos seus colegas das cidades e vilas geminadas. Os mais espertalhões, como o Madurinho de Vila Real de Santo António vão mais longe e criam verdadeiras pontes aéreas de turismo oftalmológico para Cuba, a intimidade é tanta que, segundo dizem as más línguas, o ministro da saúde oftalmológica do sotavento algarvio até constituiu uma família luso cubana.
As autarquias estão mesmo transformadas em centros de viagens, para além da caça ao voto dos velhotes a troco de excursões quase semanais, não faltam os passeis dos ranchos folclóricos ou das marchas, sempre devidamente acompanhadas de uma comitiva de penduras.
Ao nível empresarial generalizou-se as viagens como forma de premiar aqueles a quem se devem favores ou para passar a mão pelo pêlo de quem decide. Há mesmo um ramo de negócios na agências de viagens especializado nestas iniciativas, que podem ir da organização de eventos nos quatro cantos do mundo a passeios no Saara ou cruzeiros na Antártida. Os vouchers não deixam rasto e na verdade é o Estado que acaba por pagar estas viagens, constituem despesas a abater da coleta e a reduzir a carga fiscal. Isto é, uma boa parte dos favores e prémios dados pelas empresas acabam por ser indiretamente pagos pelo Estado.
Alguém disse que não há viagens grátis, o que se esqueceu de dizer foi que em grande parte quem paga estas viagens de forma direta ou indireta são os contribuintes. Diretas no caso das visitas do Madurinho algarvio a Cuba, indireta quando são financiadas por empresas que depois as declaram como custos que reduzem a massa coletável e, em consequência, aliviam os impostos.