quinta-feira, abril 05, 2007

Ota: um caso de democracia à portuguesa


Ao asssistir à discussão que por aí em torno da localização do novo aeroporto chego à conclusão de que o país está em auto-gestão, ao mesmo tempo de se ridiculariza a licenciatura de Sócrates e se debate se é ou não engenheiro não há ninguém que não seja um grande especialista em aeroportos e quem tem a falsa modéstia de não se assumir como especialista em engenharia arranja um engenheiro amigo que lhe dê razão.

Todos dizem que o novo aeroporto é uma questão técnica e todos aparecem acompanhados de uma equipa de engenharia com argumentos supostamente técnicos para vencerem um debate político. Só não se entende porque motivo apenas este investimento se transformou num debate técnico, que eu saiba desde a mais pequena rotunda até ao aeroporto da Ota todas as obras de engenharia antes de uma decisão política passam por uma decisão técnica. É evidente que há grupos que perderam negócios, políticos que não vão receber comissões, jornalistas que venderam o seu poder de influência e no meio de toda esta confusão começa a ser tão difícil perceber os argumentos técnicos como distinguir os honestos dos representantes encapotados de interesses obscuros.

Sócrates não se pode queixar do pântano em que está a cair nesta questão, nestes dois anos usou e abusou de supostos relatórios técnicos e científicos para fundamentar as suas decisões, eliminando o debate político em favor das supostas conclusões técnicas. Desde as férias judiciais até ao encerramento de maternidades, tudo se fundamentou em estudos técnicos, foi Sócrates que para evitar a exposição política e gerir a sua imagem de governante cientificamente correcto escolheu o caminho de que está a ser vítima.

Pela dimensão do investimento envolvido a construção de um novo aeroporto merece uma discussão séria, mas tenho dúvidas que o mais importante seja a localização. Antes e acima disso colocam-se outras questões bem mais pertinentes que se prendem com as vantagens económicas e sua comparação com outros investimento alternativos igualmente necessários, importantes ou prioritários. O principal debate é entre duas concepções de política económica e não entre equipas de engenheiros pagas por dinheiros dos grupos de interesses em disputa. E a decisão é política e não técnica pois nas próximas legislativas os partidos vão apresentar listas de candidatos a deputado e não listas de engenheiros para formarem o conselho científico de São Bento.

Com tanto engenheiro em busca de um momento de glória na comunicação social não faltarão voluntários para emitirem a opinião ou produzir o estudo que lhe for encomendado em favor da decisão que lhes for sugerida, até porque aos engenheiros não cabe decidir mas sim encontrar soluções técnicas, já vi aeroportos construídos nas situações e nos locais mais incríveis.

Nesta democracia em auto-gestão estou a assistir a tudo, desde um ex-ministro de um governo que escolheu a Ota vir, agora na condição de líder da oposição, lançar insinuações sobre essa decisão só porque o empreendimento vai ser lançado por outro governo, acabando por evidenciar que o que o preocupa é ficar longe da manjedoura. E a pouca vergonha é tanta que o presidente da autarquia de Lisboa, que lançou o túnel do Marquês sem grandes estudos e contra a opinião de muitos e cuja autarquia está quase falida, vai encomendar um estudo sobre a localização do aeroporto cujas conclusões sabemos quais vão ser e cujo objectivo é apoiar o líder, isto é, vai usar o dinheiro dos contribuintes para fundamentar a posteriori as opiniões de Marques Mendes.

E o que dizer do autarca de Gaia que se desloca aos terrenos do futuro aeroporto para dar entrevistas à comunicação social transformando o maior investimento público em instrumento de tricas partidárias? Agora já só me falta ver a junta de freguesia do Castelo juntar-se à de Conceição de Tavira para financiarem uma viagem de avião dos idosos locais para irem manifestar-se a Bruxelas, junto ao Parlamento Europeu.

Talvez não fosse má ideia entregar a administração deste território ingovernável ao governo autónomo da Andaluzia. Não tenho dúvidas de que, pelo menos em seriedade, o país teria muito a ganhar.