quinta-feira, abril 26, 2007

O Governo propõe a denúncia (bufaria) para combater a corrupção


Num momento lírico, talvez inspirado no Dias da Música que recentemente decorreu no CCB, o Governo apela aos funcionários que denunciem casos de corrupção num guia para prevenir a corrupção que o ministério da Justiça lança hoje. Os responsáveis do ministério da Justiça sabem muito bem que nenhum funcionário no seu pleno juízo denunciará um caso de corrupção envolvendo um superior ou um dirigente político, é do senso comum que o corrupto se escapa e que o denunciante corre um sério risco de vir a ser o condenado.

Aliás, basta ler o Estatuto Disciplinar (Lei n.º 24/84) aplicável aos funcionários públicos para se perceber o lirismo da sugestão, no seu artigo 26.º determina-se a aplicação de uma pena de aposentação compulsiva aos funcionários e agentes que “dolosamente participarem infracção disciplinar de algum funcionário ou agente”, isto é, se alguém denunciar um caso de corrupção e o corrupto conseguir escapar-se é o funcionário que seguir as sugestões do ministério da Justiça que vai para a rua.

Não deixa de ser curioso que ao sector privado se recomende o que se esquece na Administração Pública:

«Ao sector privado é recomendado “a adopção de códigos de conduta com responsabilização ética de todos os colaboradores”, formação para identificar e denunciar casos de corrupção ou o desenvolver de “práticas e sistemas de gestão que incentivem relações de confiança”.» [Público]

Ou seja pede-se aos funcionários que denunciem e às empresas privadas que adoptem códigos de ética, deixando de fora dirigentes e políticos, os grandes beneficiários da corrupção. Por exemplo, num país onde as “prendas de Natal” é um negócio de milhões de contos não havendo qualquer limite de valor às prendas que políticos e dirigentes do Estado. Obviamente pode receber-se todas e quaisquer prendas desde que isso não passe por “solicitar ou aceitar qualquer vantagem não devida, para si ou para terceiro, como contrapartida do exercício das suas funções (caso de ofertas)”.

O ministério da Justiça até poderá dar a ideia de algo se está a fazer no combate à corrupção, em vez de esperar por denúncias talvez merecesse puxar a ponta das meadas dos indícios que vão aparecendo na comunicação social como a que o Correio da Manhã [Link] publicou em 2007-01-26 e a que voltarei amanhã para fazer umas perguntas ao ministro das Finanças, já que parece que o assunto ficou esquecido:

«Existem vários funcionários da Administração Fiscal que recebem dinheiro de instituições bancárias, acumulando as funções de funcionários públicos com rendimentos provenientes do sector privado. Segundo apurou o Correio da Manhã, há casos em que esses pagamentos superam os 25 mil euros por ano e que duram há vários anos.»

O Governo não investiga os indícios e depois pede aos funcionários, os mesmos que são diariamente maltratados e ameaçados para assumirem voluntariamente o papel de informadores. Trata-se de uma proposta que tem tanto de ingénua como de ofensiva, apetece-me sugerir ao Governo que vá verguntar aos responsáveis das finanças dos partidos, esses sim têm muito para contar.