segunda-feira, novembro 26, 2007

Porque não fazem filhos?


Colocado nestes termos o problema da desertificação humana do interior teria uma solução fácil, bastaria adoptar medidas de promoção da natalidade. Só que o problema económico do interior não resulta de nenhuma disfunção sexual colectiva e, muito provavelmente, não se resolveria apenas por via da natalidade pois a maioria dos que lá nasceram nos últimos trinta anos já vivem nas cidades.

A situação actual não é casual, não resulta de nenhuma calamidade recente, é um processo contínuo que se desenrolou ao longo de décadas e que nos últimos trinta anos se aprofundou. A questão da desertificação não é uma causa, é uma consequência. É a consequência de políticas desenhadas em Lisboa, preocupadas com indicadores económicos e sem prestarem atenção à realidade social. O dualismo entre litoral e interior acentuou-se de forma brutal e aquilo que em tempos parecia ser progresso económico está a transformar-se num problema quase insolúvel, o que era um problema económico transformou-se num problema económico, social e ambiental.

Recorde-se que com a implementação da Política Agrícola Comum observou-se um desenvolvimento forçado da agricultura, com os subsídios a enriquecer alguns e os preços agrícolas a determinar o abandono de um modelo agrícola que sustentava uma organização social em grande parte do nosso meio rural, conduzindo ao seu abandono com as consequências, desertificação humana e incêndios cada vez mais devastadores.

Que fez Cavaco Silva quando foi primeiro-ministro? Não monitorizou as consequências da redução brutal da população agrícola, não cuidou de promover o desenvolvimento de actividades que absorvesse parte da população que deixou de ter lugar na agricultura, preocupou-se mais com os preços e os subsídios das produções do latifúndio.

Fez estradas que permitiram a ilusão de desenvolvimento, os trabalhadores agrícolas foram convertidos provisoriamente em serventes nas obras das auto-estradas, os milhões do Fundo Social Europeu que deveriam ter servido para adaptar a nossa economia foi esbanjado para enriquecimento da nova elite urbana que aprendeu a viver à custa dos políticos. Acabadas as obras ficou o deserto.

Os que nasceram e cresceram quando Cavaco foi primeiro-ministro teriam hoje mais de vinte anos, ou seja, é a “geração Cavaco Silva” que não faz filhos, e não faz filhos porque os foram fazer para outro lado, porque nem eles nem os seus filhos teriam futuro em regiões onde o abandono da agricultura foi um indicador de progresso social.

É evidente que a culpa não foi apenas dos governos de Cavaco Silva, foi de todos os governos e o actual não escapa a responsabilidades neste capítulo. Jaime Silva acabou com a direcção regional do seu ministério em Lisboa porque na capital não há agricultura, mas a verdade é que os nossos políticos governam a pensar nesta cidade, nela não existe agricultura mas é na capital que vivem os “agricultores” que os políticos mais apreciam. É na capital que estão os interesses, os eleitores, os jornalistas e o próprio Presidente da República, é para a capital que governam os nossos ministros da Agricultura.

A verdade é que os governos estiveram muito preocupados com os indicadores económicos e muito pouco com o desenvolvimento social, preocuparam muito com a criação de riqueza e muito pouco com a forma como era distribuída. A verdade é que para os nossos políticos o seu grande objectivo é sobreviver e para isso precisam de votos, governam a pensar nas regiões onde esses votos decidem o seu futuro e esse não é o caso dos que vivem nos montes e aldeias.

Em vez de perguntar porque não fazem filhos Cavaco Silva deveria ter questionado porque não fazem eleitores, são os seus votos e não o seu bem-estar que interessa aos nossos governantes.