terça-feira, dezembro 15, 2015

Des/valorização fiscal

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Durante décadas impostos eram uma coisa e salários eram outra, quando se discutiam os impostos não se questionavam os salários e quando se discutiam aumentos salariais não se falava de impostos. Com a última crise financeira e as dificuldades sentidas por Portugal houve quem tivesse a ideia de substituir a desvalorização cambial aplicada a economias fechadas por uma desvalorização fiscal no quadro da zona euro.

A experiência nunca tinha sido feita, sendo um país pequeno e enfrentando uma crise grave Portugal era o banco de ensaios ideal, um primeiro-ministro a querer fama, um presidente que se sabe como é, o Durão Barroso na Comissão Europeia, estavam reunidas as condições para sujeitar os portugueses a uma experiência nova, se resultasse Gaspar era um novo grande economista e Passos um aina maior líder político.
  
A ideia era tornar o factor trabalho mais barato pela via fiscal, inicialmente ensaiou-se um truque na TSU, tirava-se aos trabalhadores para se dar aos patrões, mas o país revoltou-se. E Gaspar encontrou uma solução alternativa, aumentava-se o IRS e diminuía-se o IRC. O país engoliu e até José António Seguro alinhou numa reforma do IRS feita à medida dos clientes de Lobo Xavier.

O facto é que com a livre circulação dos trabalhadores no espaço internacional não são apenas as empresas que procuram locais competitivos para investirem, também os trabalhadores comparam os rendimentos líquidos e favorecem os países onde maiores salários ou impostos mais reduzidos lhe proporcionam maiores salários líquidos. Isto significa que a tributação fiscal já não pode ser analisada apenas à luz das necessidades de financiamento do Estado e das políticas redistributivas. Os governo que viam na emigração um alívio da pressão sobre o mercado de trabalho têm agora o problema de ver perder recursos qualificados, as empresas que pressionam no sentido da baixa salarial arriscam-se agora a ter de procurar no estrangeiro os quadros que não encontram no país, o que, aliás, já sucede, enquanto os médicos portugueses procuram-se países como a Alemanha por cá contratam-se médicos cubanos e do Leste.

Se o país não cria condições atractivas para os quadros qualificados isso significa que investe mais de duas décadas na formação dos seus trabalhadores mais qualificados e no fim estes optam pelo mercado de trabalho no estrangeiro. O país que apostou milhões na educação perde depois os seus melhores quadros devido a uma política fiscal feita sem pensar.
  
Num momento em que se fala na redução ou eliminação da sobretaxa é bom que o governo pense se quer que esta continue a funcionar como um incentivo para a emigração de quadros pois a tal classe médias que todos dizem defender um dia deixa de existir porque ou foi empobrecida á força por políticas fiscais igualitárias ou abandonou o país em busca de mercados de trabalho mais competitivos.

É bom que o governo pense nisto e que perceba que a justiça não passa apenas pelos mais pobres, passa por aqueles que mais foram injustiçados, são esses que suportam cargas fiscais mais sufocantes por causa de uma crise financeira que em grande parte foi criada pela ineficácia do Estado, designadamente da Segurança Social  e pela evasão fiscal. Um  dia destes Portugal será um país de pobres e de ricos e não tenho a certeza de que sendo os pobres igualmente pobres fiquem mais felizes por causa disso.
 
Com a livre circulação a uma escala quase global os impostos, em especial os que incidem sobre o rendimento, têm um impacto directo sobre o salário e isso significa que aumentar impostos sobre o rendimento equivale a tornar a emigração mais competitiva. Daqui resulta a necessidade de reequacionar as políticas fiscais, balanceando-as com as políticas de rendimento, ao mesmo tempo que o combate à evasão fiscal tem uma nova dimensão, já não visa apenas a obtenção de receitas, visa reduzir a carga fiscal sobre o trabalho, melhorando os rendimentos dos trabalhadores e incentivando-os a fixartem-se em Portugal.