Depois de alguns comentários de amigos decidi ir ver o
programa “Sexta às 9”. Tenho de confessar que não vi o programa até ao fim,
antes da entrevista propriamente dita não vi nada de ilegal ou qualquer fato
relevante que se pudesse acrescentar ao que já se tinha divulgado e que não
passavam de insinuações.
Mas valeu a pena ver a primeira parte, onde o ex-presidente
da autarquia Nuno Cardoso fez de conta que recebeu um telefonema que não estava
à espera, dando uma entrevista telefónica dizendo coisas que certamente a
jornalista ouvia pela primeira vez. A entrevista deu para perceber alguns pormenores
que desconhecia e deu para perceber o que estava em causa.
A tal empresa que tinha sido criada era afinal o resultado
de uma divisão entre sócios e o que estava em causa era uma tentativa de
impedir uma decisão governamental com argumentos que habitualmente cabe aos
tribunais dirimir. E onde entra essa personagem de nome Nuno Cardoso? É um
homem bondoso, amigo do seu amigo e tendo de um lado um amigo empresário e do
outro um amigo político decidiu, num gesto de generosidade, ajudar os dois. No
meios de tantos milhões eis que temos uma alma bondosa que acorreu a Lisboa
mais o seu amigo empresário, numa tentativa de salvar o seu amigo político e
ex-aluno. Tanta bondade é coisa rara no nosso meio político.
A própria jornalista foi sensível ao gesto pois repara que o
governo tomou uma decisão a favor de um sócio que se fazia acompanhar de alguém
do PS, mas não reparou que estava produzindo uma notícia tentando favorecer o
outro sócio que também se fazia acompanhar de alguém do PS, igualmente um ex
qualquer coisa do poder. Tem os de um lado uma empresa perigosa e um político
oportunista, do outro lado um sócio bom e um senhor cheio de generosidade, no
meio e quase a afogar-se nos muitos milhões estava uma jornalista generosa que
decidiu quem tinha razão e colocou a televisão ao serviço do sócio bom.
Temos portanto um sócio malandro, um político oportunista,
uma jornalista justa, um sócio bom e um senhor movido a generosidade ilimitada
para com os seus amigos.
Perceberam?
Um conhecido político e governante do PSD, já retirado da
vida política, costumava dizer que há os amigos, os inimigos e os gajos do
partido que são os piores. Este caso ilustra bem essa opinião. Apenas
acrescentaria que com gente bondosa como vimos neste processo quase fico a admirar
os mais velhacos.
Agora conto-vos outra história: um empresário que perdeu um
litígio num negócio sabendo que o governo é de um determinado partido procurou
alguém influente que conhecesse bem o ministro. Depois foi combinar a estratégia,
marcou-se uma reunião com o ministro muito à pressa, sabiam que a decisão que
queriam contraria estava por dias e era preciso impedir. Qual o argumento:
cuidado porque há aí confusão entre sócios zangados. Falhada a tentativa havia
uma única esperança, impedir a nomeação do secretário de Estado promovendo um
escândalo. Isso era trabalho para um jornalista de investigação, lançava-se a
suspeita de corrupção num primeiro programa, se não fosse suficiente fazia-se
um segundo programa, já com a personagem mistério, que para justificar o
serviço teria de dar a cara.
Pronto, o desenho está feito para o caso de não terem
entendido. E assim se faz política, negócios e jornalismo em Portugal.