segunda-feira, maio 11, 2009

Dêem-lhes peixe e ensinem-nos a roubar

Durante décadas não houve em Portugal qualquer política de combate à pobreza, quem era pobre ou morria pobre ou fazia para deixar de o ser, para muitos a solução foi a emigração, os que podiam faziam sacrifícios para mandar os filhos para a escola numa tentativa de quebrar o circulo da pobreza. Os subsídios não existiam, as escolas eram escassas, os bairros sociais eram raros, mas mesmo assim muitos conseguiram fugir à pobreza, não só conseguiram fugir à miséria a que pareciam estar condenados como contribuíram para o desenvolvimento do país, no caso dos emigrantes foram as suas transferências que durante anos permitiram o reequilíbrio das contas com o exterior corrigindo o défice estrutural da balança comercial.

Na minha turma da escola primária éramos quase todos pobres, os que não eram pobres eram remediados, nesse tempo não se falava em classe média ou classe média alta e baixa, o denominador comum era a pobreza, acima dos pobres estavam os remediados e pouco mais, classe média era coisa das cidades ou de algumas profissões melhor remuneradas, muitas delas já reduzidas a proletariado de fato e gravata, como sucede com os bancários e mesmo com algumas profissões liberais. Não sei se algum dos meus colegas da primária ou do secundário se transformou em criminoso mas penso que não a maioria conseguiu superar a pobreza sem qualquer ajuda estatal, alguns licenciaram-se apesar dos grandes sacrifícios que lhes foram exigidos.

Veio a democracia, com a democracia as eleições e com as eleições os votos, os pobres passaram a poder votar e tornaram-se numa grande preocupação para políticos bem como para vários grupos de especialistas na matéria, desde pedagogos a sociólogos. A pobreza passou a ser uma preocupação central dos políticos e matéria para investigação científica. Os políticos passaram a criar ajudas, os sociólogos meditam sobre a melhor forma de enquadrar socialmente os pobres, os pedagogos encontraram soluções para transformar a falta de educação em manifestações de vulnerabilidade social.

O resultado deste paternalismo sociológico está à vista, temos dezenas de bairros sociais onde a polícia tem medo de entrar, o Estado gasta fortunas sociais em apoios sociais sem medir os resultados, as instituições de apoio social estão inundadas em problemas. Os autarcas multiplicaram os bairros onde as casas são oferecidas, os governos multiplicaram as ajudas directas ao rendimento, os pobres tornaram-se um imenso mercado eleitoral, a pobreza tornou-se num espectáculo político e mediático. Depois assistimos incrédulos a espectáculos como o do morador da Quinta da Fonte que vivia do rendimento mínimo e que tinha plasma e playstation nos quartos dos filhos, ou os protestos de quem recebeu um T3 e chama a televisão para exigir um T4 porque para o ano a mulher vai engravidar.

Dantes a criança que fosse mal-educada com o professor levava um raspanete e os pais eram chamados à escola, era uma vergonha para qualquer pai ser confrontado com o mau comportamento do filho. Agora a criancinha mal-educada é promovida a criança vulnerável, pode dizer o que lhe apetece à professora, até mesmo agredi-la, se os pais forem chamados à escola a professora corre um sério risco de ainda levar mais.

Esqueceram-se do velho ditado chinês que manda ensinar em vez de oferecer o peixe, optaram por oferecer peixe, pior ainda, criaram entre os pobres uma cultura de vítima, a pobreza gera automaticamente direitos, havendo mesmo quem reconheça o direito à violência sobre os restantes cidadão. Por exemplo, o mesmo Jerónimo de Sousa que agora exige medidas de combate à criminalidade justificou a vaga de criminalidade ocorrida no passado Verão com o desemprego, como se a condição de desempregado transformasse um cidadão trabalhador num criminoso em meia dúzia de dias ou, pior ainda, como se o crime fosse um direito de quem está desempregado.

De mistura com políticas sociais que apenas visam conquistar o voto dos mais pobres assistimos a abordagens que desculpabilizam o crime justificando-o com um contexto social adverso (só não explicam porque razão a maioria dos que vivem nos bairros ditos problemáticos são gente que trabalha). Enfim, dão-lhes o peixe e ainda os ensinam a roubar, a sorte é que a maioria dos pobres ainda consideram que a melhor forma de o deixar de ser é trabalhando e educando os filhos.

Ainda bem que na minha infância não havia tanta gente a querer dar subsídios aos pobres e tanto cientista a estudar a melhor forma de combater a pobreza e só estaria agora a escrever este post porque a minha mãe nunca teria recorrido à ajuda do Estado.