sexta-feira, janeiro 22, 2010

O lado "bom" da dívida pública


Se eu pudesse fazer como o Estado, gastar independentemente do que ganho, vivia “à grande e à francesa”, mudava de carro sempre que me apetecesse, viajava, vestia-me no Rosa & Teixeira, enfim, não prescindia de nenhuma comodidade, num momento de fartura imaginativa até me poderia dar para comprar um bugatti veyron, o equivalente familiar do TGV, se ainda por cima tivesse umas ajudas comunitárias nem hesitaria.

Gastava primeiro e quando me faltasse o dinheiro ia à banca negociar um empréstimo ou emitia uns títulos de dívida pública, com taxas de juro relativamente baixas e sem comissões de crédito. Ainda por cima de vez em quando tomava a iniciativa de reduzir a taxa de juro que pagava pelos títulos do tesouro sem dar cavaco aos desgraçados que os tivessem comprado.

Bem vistas as coisas poderia viver assim durante um bom par de anos, quando exagerasse nas despesas metias uns anéis no prego ou vendia as dívidas do cartão Visa ao City Bank. Não me teria muito com que me preocupar, quando se aproximasse a hora do pagamento renegociava a dívida e conseguia consolidar a dívida, o pagamento ficaria para umas décadas depois, o que não é novidade, os bancos até já dão crédito à habitação para cinquenta anos.

O problema é que se um dia destes me desse o fanico seriam os filhos a ficarem com a dívida. Mas se estes forem tão espertos como eu manteriam os meus hábitos, até poderiam alargar a garagem e um dia passariam a dívida para os netos. É isto que os portugueses fizeram nos últimos trinta anos, a minha geração herdou as dívidas resultantes de bebedeiras passadas e preparamo-nos para passar a factura à geração seguinte, ninguém fala em reduzir substancialmente a dívida, querem apenas aligeirar para que possa ser passada aos netos ou, talvez, aos bisnetos.

Então porque razão cada família portuguesa não pode actuar desta forma espertalhona e os portugueses no seu conjunto o fazem? Porque o lado “bom” da dívida pública é permitir-nos viver à grande e à francesa sem termos de fazer grandes sacrifícios porque a podemos passar às gerações seguintes. Mas ficamos de consciência tranquila, dizemos-lhes que além das dívidas lhes demos uns TGV e uma auto-estradas. Pelo meio abusámos das pensões, dos serviços grátis, dos subsídios para tudo e para nada.
É curiso que em países mais ricos (e certinhos nas contas) os cidadãos têm consciência de que quando o Estado gasta demais isso vai sair-lhes dos seus impostos, isso explica que nesses países um governo que se dedique a alimentar burros a pão-de-ló tenha pouco futuro. Aqui fazemos ao contrário, exigimos dos governos que nos encham o bandulho a pão-de-ló, na hora da factura a despesa é suportada pela dívida perpétua ou, na pior das hipóteses, num aumento de impostos bem disfarçado, um por cento no IVA, uns trocos no IRS, uns pontos no IMI, o eterno imposto automóvel e uns truques nos benefícios fiscais, se não chegar vendem-se uns palacetes ou uns quartéis abandonados pela tropa ou pela Guarda Fiscal.

E lá vamos ficando com a ilusão de que Portugal é mais rico do que os outros, por cá escapamos sempre ao pior, nem sequer precisamos de ter uma cultura de rigor e de exigência em relação à forma como o dinheiro dos contribuintes é gasto. Cada um tenta escapar aos impostos como pode, disputamos subsídios e borlas para tudo e mais alguma coisa e no fim ficamos com a agradável sensação de não termos que fazer sacrifícios para ascender à fartura.
A dívida pública serve para sermos uns tesos irresponsáveis.