sábado, dezembro 23, 2006

Um natal para esquecer


Felizmente nasci a tempo de não ter que enfrentar a guerra colonial, escapei-me a uma ida a África ou à deserção, desses tempos recordo as horas infindáveis de televisão mostrando filas de militares a dizerem que estavam todos muito bem, a desejar um Bom Natal aos familiares e a terminarem a mensagem com o inevitável “adeus e até ao meu regresso”. Eram natais sem esperança, as prendas eram a utilidades do costume, os chocolates repetiam-se de ano para ano, os pequenos bombons nacionais, e os chocolates da Regina, o “coma com pão” as sombrinhas e as barras.

Recordo-me dessa época porque de ano para ano estamos a regressar a natais sem esperança, não há guerras domésticas mas num mundo globalizado não podemos ficar indiferentes, é um mundo onde se multiplica a guerra a miséria, um mundo onde a Guerra Fria deu lugar às guerras da família Bush cujo primogénito decidiu brincar aos cowboys usando o mundo como quintal das suas brincadeiras.

Perante tanta miséria e sofrimento humano à escala mundial, e com tanto português a passar por dificuldades sinto alguma vergonha em queixar-me, afinal faço parte do pequeno grupo de privilegiados, participo nos imensos engarrafamentos que nesta semana transformaram Lisboa num inferno, participo nas hordas de compradores de olhar esgazeado que empaturram os corredores dos centros comerciais, compro os molhos de grelos que irão acompanhar o bacalhau a dez euros.

Não gosto de resolver os meus problemas de consciência com hipocrisia natalícia, mas reservo para esta quadra para encher as baterias da esperança, um momento em que paro para não pensar e concluir que o mundo ou o país vai ser melhor. Mas não, nestes anos a ausência de esperança tem-se juntado ao que resta dos hábitos de outros anos, sei que os próximos anos serão maus e, piro do que isso as futuras boas notícias não serão para mim, o meu sapatinho, como o de muitos portugueses, estará vazio de futuro, tenho três das piores qualidades que um europeu pode ter, sou português, vivo em Lisboa e ainda por cima sou funcionário público. Terei que pagar pelos desmandos dos políticos que temos escolhido, pagar taxas e impostos por tudo e por nada e carregar com anátema de ser o culpado de todos os males que sucederam a este país.
Ainda assim, há que fazer um sorriso, ter esperança e cumprir com todos os rituais a que a época obriga.

PS: O palheiro está aberto no Natal e Ano Novo, esta coisa de ter bichos para alimentar...