Desde que me conheço que ouço falar de crise económica e de reformas, a minha “preparação” para estes temas começou com as “conversas em família” de Marcelo Caetano, depois foi anos da utopia em que se resolveu o problema da produtividade com o dia do trabalho nacional e as exportações encontraram mercados graças à solidariedade dos soviéticos que nos compraram uns contentores de concentrado de tomate e de sapatos que só nos pagaram muito mais tarde, seguiram-se os sucessivos acordos com o FMI, sentimos algum alívio quando fomos inundados de ecus, voltámos a apertar o cinto para participarmos no Euro, voltámos a pagar a factura pelos pequenos excessos de Guterres, andámos de tanga com Durão Barroso enquanto a Manuela Ferreira Leite nos mandava olhar para o horizonte em busca dos sinais de retoma, sofremos graças à visão reformista de Sócrates, apanhámos com a crise financeira internacional e é certo e sabido que vamos pagar o combate à actual crise com língua de palmo.
Desde os finais dos anos 60 que vivemos sempre em crise e que o discurso da necessidade de reformas está sempre presente, passamos a vida a suportar políticas de austeridade para reagir a crises internacionais ou para pagar a factura de pequenos abusos internos. Por outro lado o país está em reforma permanente, mais parecendo a Igreja de Santa Engrácia. Há algo de errado em tudo isto.
Se fosse possível os portugueses optariam por deixar tudo como está, de preferência seríamos todos funcionários públicos ou trabalharíamos para empresas que dependem do Estado, o que de resto sucede com uma boa parte da classe média. Talvez isso explique sermos tão avessos a reformas, o peso das corporações públicas e de sectores de actividade dependentes do Estado é tão grande que uma boa parte dos portugueses tenham desse mesmo Estado uma visão paternalista. Mais do que um Estado pesado defendemos um Estado que cuide de nós sem nos perguntar o que damos à sociedade, não admira que daqui resulte quem em tempos de dificuldades muitos eleitores se virem para os partidos que defendem esse Estado, partidos que em tempo de crise se desdobram em propostas que acentuam essa visão do Estado capaz de resolver todos os problemas.
Se estamos em reforma permanente porque razão todas as análises da nossa realidade apontam sempre para a necessidade de reformas? Por duas razões, porque reformamos sempre tarde e porque reformamos de forma inadequada ou incompleta. Olhe-se para o que se passa, por exemplo, com os centros de saúde ou com a legislação laboral. Todos sabemos que o modelo actual do SNS não se adequa ao desenvolvimento tecnológico e a uma boa economia do sistema, mas ninguém resiste à tentação do populismo e Sócrates acabou por substituir o seu melhor ministro por uma ministra cuja grande qualidade é não ter qualidades e por isso mesmo nada mudar. Todos sabemos que a rigidez do mercado de trabalho só aumenta o desemprego e a precariedade, mas preferimos um modelo inadequado que obriga a as empresas a inventar esquemas precários bem mais negativos, do que adequar a legislação a uma realidade que nunca conseguiremos mudar.
Acabamos por ter de enfrentar as crises e suportar o custo das reformas mas não beneficiamos das vantagens de reformas completas e que antecipem as crises.