Por vezes interrogo-me sobre o preço que o país estará a pagar porque ao longo de anos em vez de serem feitas as reformas necessárias aos sucessivos desafios que a economia mundial tem colocado ao país se ter optado por perseguir as utopias de uma elite ideológica que não desiste de ver realizados os seus sonhos.
Com uma economia desde sempre dependente do exterior as elites políticas, em ditadura ou em democracia, sempre optaram pelo “orgulhosamente sós” como forma de conseguirem impor as suas próprias utopias. Em vez de nos adaptarmos às realidades que o país enfrenta em cada momento as nossas elites têm optado por tentar adaptar essa realidade aos seus objectivos políticos, negando qualquer reforma ou mudança que vá em sentido diferente.
A opção pela autarcia em função da defesa de opções políticas e ideológicas é antiga, atingiu o seu expoente quando Salazar afirmou que Portugal estava orgulhosamente só mas voltou a ganhar expressão quando os constituintes fizeram uma constituição a pensar nos seus sonhos e estabeleceram um paraíso nacional que deveria ser atingido independentemente das mudanças que viessem a ocorrer no mundo. Os ideólogos de uma boa parte da nossa esquerda, incluindo uma boa parte do PSD dos anos setenta, estava e está convencida de que é preferível prosseguir com o sonho convertido em utopia constitucional, do que adaptar o país à realidade externa.
Pouco importa a eficácia do Sistema Nacional de Saúde ou as consequências financeiras de um modelo de financiamento assente exclusivamente em impostos, mais importante do que a justiça e a qualidade do acesso à saúde é a gratuitidade, mesmo que esta se revele perversa ao ponto de muitos dos que suportam maior carga fiscal serem forçados a optar pelo sector privado.
Pouco importa que muitas escolas tenham resultados incompatíveis com as exigência de qualificação impostas pelo desenvolvimento económico, mais importante do que isso é um conceito de “escola pública” autogestionário e ineficaz que sirva de símbolo de um modelo de gestão do Estado que corresponde ao que os nossos ideólogos consideram ser o que melhor se adequa aos seus sonhos.
Pouco importa que o mercado laboral seja o de um mundo que já não existe porque o modelo imposto é o que se adequa à utopia socialista dos anos setenta e qualquer mudança é apresentada como um retrocesso civilizacional.
Alias, a hipocrisia dos defensores da utopia, a maior parte dos quais gente bem instalada na vida e que está ao abrigo das consequências das suas utopias (os bloquistas e uma boa parte dos defensores da convergência de esquerda de Alegre são um bom exemplo disso), reside em considerar tudo o que não se enquadre na sua utopia como um retrocesso civilizacional mesmo que isso se traduza em subdesenvolvimento económico.
Talvez seja tempo de o país reflectir sobre as consequências de não antecipar as mudanças preparando-se para elas, optando sistematicamente por adiar as reformas que acaba por lançar tarde e deficientemente porque fica sistematicamente à beira da bancarrota, como sucedeu com os sucessivos acordos com o FMI e mais recentemente com as sucessivas tentativas de reequilíbrio das contas públicas.
É tempo de apostar no desenvolvimento económico deixando as utopias para quem as defende, uma minoria que ao longo dos anos tem imposto ao país um conjunto de regras e constrangimentos que nos tem afastado do desenvolvimento, conduzindo a economia a sucessivas crises pagas sempre pelos mais pobres, precisamente aqueles que supostamente seriam os beneficiários dos seus sonhos.