Depois de a Operação Furacão e o caso BPN pouco ou nada terem transpirado para os jornais eis que o Caso Freeport é quase público, até ficamos com a impressão de que a informação chega primeiro aos jornais do que ao Procurador-Geral, só isso explica que há poucos dias Pinto Monteiro tenha afirmado que não tinha chegado nenhum pedido de investigação feito pelos ingleses.
Numa primeira fase Pinto Monteiro saiu incólume, mas a montanha começou por parir um rato, o primo de Sócrates revelou-se alguém que não está à altura de grandes manobras, de uma empresa chamada “neurónio criativo” também não se podia esperar grande coisa. A animação inicial que até levou Cluny a sugerir ao governo que não se metesse (esquecendo intencionalmente que o processo tinha sido avocado pelo Ministério Público) deu lugar a alguma frustração, o neurónio criativo nada ganhou e até a queixa da Querqus tinha sido arquivada.
Mas o espectáculo não podia parar, havia que ir buscar os trunfos que estavam na manga e nem se podia esperar por sábado, dia em que sai o SOL, onde há uma jornalista especializada em investigar segredos de justiça. Além disso é necessário dividir o bolo, se fosse apenas o SOL a ficar com primeiras páginas lucrativas isso era mau para a estratégia. Começou por se dar qualquer coisa ao Público e agora à Visão da Impresa, a empresa de Pinto Balsemão. Até porque nem um SOL quase falido nem a sua jornalista eram suficientemente credíveis, era necessário alargar a frente de batalha.
Temos portanto gente com acesso aos processos, que conhece o seu conteúdo e sabe como se vão desenrolar as investigações, que conta com acesso a muitos jornais e jornalistas e que está fazendo a gestão da fuga ao segredo de justiça para que muito antes de a justiça intervir se conseguir uma condenação pública com objectivos eleitorais. Como os processos em investigação não costumam ser guardados nas bancas do mercado da Ribeira, junto às couves e aos repolhos, temos razões para recear que há gente em quem o país confia e a quem demos o poder de investigar todo e qualquer português que em vez de obter provas que levem a uma condenação em tribunal, está a usar informação que ainda não constitui prova para as lançar como provas na praça pública.
Temos, portanto, um grupo de novos fascistas que à falta de tribunais plenários quer transformar a praça pública num imenso tribunal plenário, ainda antes de terem provas para levarem a julgamento pretende que esse julgamento seja feito na rua com base na informação que eles próprios seleccionam e mandam para os jornais. Antes de um julgamento nos tribunais que tantos nos dizem para confiarmos pretendem que haja eleições antecipadas, antes de ser julgado num tribunal Sócrates deve ser julgado eleitoralmente com base nas falsas provas que cobardemente mandam para a comunicação social.
Os mesmos que quando a opinião duvida nos dizem para confiarmos na justiça são os que não confiam na sua própria justiça, são os que duvidando do resultado final se querem vingar de Sócrates ou, muito simplesmente, favorecer os seus partidos cuja ausência do poder lhes prejudicou.
Mas já que foram lançadas suspeitas Sócrates tem uma de duas coisas a fazer, se for culpado deve demitir-se imediatamente, se for inocente deve manter-se e defender a sua inocência até que a justiça tire conclusões, as mesmas conclusões a que os novos fascistas parecem não querer ver. Se Sócrates for afastado o processo arrastar-se-á até ao seu arquivamento e ninguém se lembrará de que umas quantas pessoas com acesso ao processo o usaram para alterar o rumo político do país.
A estratégia da golpada é evidente e se inicialmente havia a suspeita de um crime a este junta-se a suspeita de um ouro bem mais grave, a de que a independência dos tribunais e a separação de poderes poderá ter servido para que uns amanuenses violassem essa mesma separação de poderes e alterassem o rumo da democracia. Esperemos portanto que todos os crimes sejam investigados.
E enquanto anda tudo numa imensa excitação ninguém se questiona como é possível que polícias inglesas lancem a suspeita sobre o primeiro-ministro de um país independente sem apresentarem quaisquer dados ou indícios, limitando-se a pedir que investiguem as contas do primeiro-ministro e lhes digam os resultados. Se não estivesse em causa José Sócrates era o "ai Jesus", não faltaria quem se lembrasse do mapa cor-de-rosa ou, pelo menos, que não é de qualquer maneira que um agente policial da Inglaterra põe em causa a honorabilidade de um cidadão português e muito menos de um primeiro-ministro.
Se o dinheiro saiu de uma empresa inglesa porque não investigam para onde foi e, conhecidos estes dados, colocassem as questões. Seria mais lógico do que muito simplesmente "mandarem" ver as contas do primeiro-ministro. Um trafulha local desviou muitos milhões de uma empresa que depois foi comprada pela Carlyle e a polícia anda a atirar barro à parede só porque esse trafulha justificou as vigarices dizendo que andou a distribuir dinheiro?
Imagine-se que alguém comprava uma empresa em Portugal e depois de constatado um buraco financeiro o ex-gestor dessa empresa se justificasse que tinha dado umas massas ao Príncipe Carlos de Inglaterra. Ciosos das nossas intimidades e pouco confiantes nos investigadores terceiro-mundistas da Inglaterra mandávamos uma carta rogatória ao procurador lá do sítio dizendo que o Príncipe Carlos, mais uns pajens e o instrutor de educação dos seus cães eram suspeitos de terem recebidos uns milhões de euros em couves-galegas e outros subornos em espécie e em dinheiro.
Imagine-se que o sindicalista dos magistrados lá do sítio, simpatizante da causa republicana, via nisto uma oportunidade de se vingar da coroa e emitia um comunicado ameaçando a rainha para que não metesse cunhas nem pedisse aos lords para se meterem no assunto.
Imagine-se que os investigadores locais, gente para quem a justiça é tão importante que para se assegurarem de que de uma forma ou outra seria feita mandaram tudo para os jornais, iam logo correr ao Príncipe Carlos pedir para que os conduzisse à horta do castelo para lhes contar as couves-galegas e extrair análises para que um laboratório local confirmasse se havia coincidência com o ADN das couves-galegas.
Imagine-se que os investigadores ingleses, para quem a justiça internacional está acima das intimidades da rainha, tudo fariam para que a polícia portuguesa ficasse a saber quantas couves-galegas o Príncipe Carlos tem em cada um dos seus castelos, a forma como as colhe e as cozinha e os súbditos por quem as distribui.
Imagine-se que logo que chegasse a resposta à carta rogatória, coisa a que os ingleses respondem normalmente de olhos fechados, a informação fosse de imediato mandada para os jornais, ficando os portugueses a saber de todos os segredos gastronómicos e ecológicos do filho da Rainha de Inglaterra.