Manifestação de 2 de Março de 2013, Lisboa
As reacções de muita gente em relação aos resultados das negociações entre o novo governo grego revelam a miséria humana que por cá vai grassando, quando estava em causa discutir se as soluções impostas à Grécia e aceites sem grande discussão pelos seus partidos que antecederam o Syrisa no poder eram as mais adequadas.
Agora fazem balanços do que conseguiu a Grécia comparando as medidas que fundamentaram o acordo no Eurogrupo com as constantes no programa eleitoral do Syrisa, tentando demonstrar que a Europa meteu os gregos na linha, sugerem que tudo ficou na mesma e que o governo grego recuou em todas as suas propostas. Sugerem uma derrota humilhante do Syrisa frente a uma direita europeia liderada por um ministro das Finanças alemão a quem alguns dois seus pares manifestaram vassalagem.
As reacções são mais do domínio psiquiátrico do que político, vemos antigos militantes do Partido Comunista que dizem ser de esquerda a unirem-se a antigos militantes do UDP que agora estão quase na extrema-direita para espantarem os seus fantasmas festejando a humilhação daqueles que no passado foram os seus camaradas. Não está em causa o interesse da Grécia ou da Europa, o importante é humilhar a qualquer custo aqueles que partilham das ideologias que rejeitaram na busca de zonas de conforto mais à direita e perto das manjedouras do poder.
Não seria mais interessante comparar o acordo com aquilo que temos assistido em Portugal?
- Em Portugal morre-se abandonado nas urgências e mesmo assim o governo continua a implementar cortes brutais na despesa decididos no OE2015 para o sector. O acordo grego não contempla cortes em sectores como a saúde ou a educação.
- Em Portugal as medidas não eram negociadas com o Eurogrupo ou com os líderes das instituições, eram ditadas pelos funcionários que cá vinham ou que por cá se estabeleceram no Hotel Ritz e que depois davam conhecimento das mesmas às instituições.
- Em Portugal nunca ocorreu a mais pequena divergência entre as três instituições da Troika, no acordo com a Grécia é evidente que ocorreu uma discussão política e que nem o FMI, nem o BCE impuseram as suas soluções.
- Em Portugal os sacrifícios e miséria foram alvo de elogio dos governantes, Passos exibia mensagens miseráveis no Facebook, Gaspar gozava dizendo que o povo português era o melhor do mundo e Durão barroso exibia o sacrifício do seu próprio povo para engrandecimento internacional da sua figura. A Grécia levou o actual presidente da Comissão Europeia a admitir que os povos da Grécia, de Portugal e da Irlanda foram ofendidos.
- O governo Português continua a promover o seu projecto de redução do número de funcionários públicos, estando a organizar um despedimento colectivo na Segurança Social. Para a Grécia o Eurogrupo não impôs despedimentos ou cortes salariais que de forma simulada continuam a ocorrer em Portugal.
A lista de diferenças podia continuar mesmo sem entrar nas diferenças de políticas defendidas pela direita portuguesa e pelo Syrisa. Estes exemplos bastam para distinguir entre dignidade e subserviência, entre respeito pelo povo e o prazer de o sacrificar, entre defender os interesses de um país ou colocar um país ao serviço de experiências de professores duvidosos de Harvard. É uma pena que gente tão arrogante não perceba que um país pode perder tudo menos a dignidade,
Todos os cobardes que não foram capazes de dizer não a nada da troika, todos os canalhas que puseram o seu povo ao serviços de experiências, todos os políticos corruptos que protegeram o seu conforto convencendo o seu povo a aceitar o sacrifício querem agora que os gregos aceitem a mesmas regras e obedeçam ao mesmo tipo de políticos.
Uma coisa é simpatizar ou antipatizar com o Syrisa, outra é tentar dizer que a Grécia não conseguiu nada para escondermos a nossa cobardia, o nosso oportunismo, a nossa falta de sensibilidade, tudo o que se fez a um país por gente sem escrúpulos.
Se comparam o programa eleitoral do Syrisa com o acordo com o Eurogrupo porque razão não comparam os programas eleitorais que todos os partidos portugueses apresentaram nas últimas legislativas com aquilo que implementaram ou defenderam durante estes anos? De certeza que foi o Syrisa quem mais recuou, quem mais mentiu, quem mais enganou o seu povo?
Não simpatizo com o Syrisa, nem tenho a intenção de o vir a apoiar e muito menos a simpatizar ou apoiar os seus parceiros portugueses, mas acho que quem tem telhados de vidro não deve atirar pedras aos telhados dos outros. Como português sinto tanta vergonha ao ver a Maria Luís a participar numa encenação em Berlim como sinto ao ver Vital Moreira festejar a derrota dos gregos dizendo que "novo Governo grego teve de abandonar todos os seus objetivos antiausteritários". Uma foi a Berlim pedir à Alemanha para vergar a Grécia, o outro festeja o resultado.