terça-feira, março 04, 2008

Nunca me senti tão seguro!


Ao ouvir os responsáveis governamentais e das forças de segurança dizerem-me que as estatísticas apontam para uma redução dos crimes violentos chego à conclusão que nunca me senti tão seguro. Afinal, quando sair à rua posso ser roubado, poderei ficar sem o carro, com algum azar até poderei levar uma facada mas é mais provável chegar vivo a casa do que sucedia há dois anos atrás.

Há qualquer coisa de errado nestas estatísticas da criminalidade, quanto menos crimes são registados maior insegurança sentem os cidadãos. No bairro onde vivo começa a ouvir-se tiros em pleno dia, já não é muito seguro, começo a perder a conta aos roubos (2) e às tentativas de roubo do carro (2), mas a crer nas estatísticas o dinheiro gasto na tranca para o carro foi mal empregue e até poderia deixar a porta de casa aberta.

A propósito do crime ocorrido em Loures ouço uma responsável da PSP assegurar que no bairro onde ocorreu o homicídio nunca se tinham registado ocorrências. Tem razão estatística, eu já assisti ali a uma tentativa de roubo com recurso a violência, tentativa que ajudei a impedir de se concretizar, mas no fim não se apresentou queixa. Apresentar queixa significa perda de tempo, regista-se a ocorrência nas estatísticas e uns tempos depois recebemos uma carta a informar que o processo foi arquivado até melhor prova. É evidente que aquele, como muitos bairros, são estatisticamente seguros.

A propósito dos crimes ocorridos no fim-de-semana o responsável pela coordenação da segurança chamou à atenção para o facto de metade das vítimas terem resultado de um incidente familiar, não resultando da actividade de marginais. Como não podia deixar de ser lá veio com as tais estatísticas que nos tranquilizam porque diminuiu o número de crimes violentos.
Mas como serão contabilizados os pais mortos pelo filho que depois se suicidou? Não será um suicídio e duas vítimas de crimes violentos?

Não tenho dúvidas de que os crimes violentos diminuíram. Dantes matava-se mais frequentemente a mulher ou a namorada infiel, na aldeia mata-se menos por desavenças devido à utilização do poço ou à demarcação das propriedades. Em contrapartida os marginais matam mais nas cidades. Tudo somado mata-se menos.

Mas o argumento de que a tragédia familiar não deve ser confundida com a acção de marginais também se deveria aplicar às estatísticas tranquilizantes. Talvez seja tempo de fazer melhor estatísticas e das utilizar para analisar e combater o fenómeno do que usá-las em campanhas de informação.

Há menos segurança, morre-se mais às mãos de marginais e estes deixaram de ter qualquer respeito pela vida humana. Basta olhar à nossa volta, nunca se viram tantos seguranças, seja a rodear os políticos ou à portas das empresas, ou câmaras de vídeo. Porque será se, afinal, o país nunca foi tão seguro?

Talvez seja tempo de os políticos deixarem de usar o tema para ganhar votos, de o Procurador-Geral perder menos tempo a dar entrevistas a jornais, dos magistrados andarem menos entretidos com fugas ao segredo de justiça em processos mediáticos e de a PJ deixar de andar a brincar às guerras norte-sul e começarem a fazer o que devem fazer.