quinta-feira, março 27, 2008

Política fiscal ou caridade fiscal?


Pela forma como a redução em um ponto percentual da taxa do IVA fico com a impressão de que esta medida mais do que uma decisão de política económica foi um gesto paternalista de José Sócrates para com os portugueses. O discurso de Sócrates foi claro, os portugueses que até há pouco tempo eram uns malandrecos portaram-se bem graças às suas políticas, decidiram deixar de pagar os créditos, abdicaram de promoções e actualizações dos vencimentos, engrossaram voluntariamente as filas nos serviços de emprego, convidaram os patrões a reformarem-se, comportaram-se tão bem que o governo até errou na previsão do défice foi o maior erro de previsão no domínio do política económica. Sócrates terá decidido aplicar aos portugueses a “avaliação do desempenho” que está a implementar na Administração Pública e decidiu que mereciam que dos 4% de aumento do IVA a que foram sujeitos lhes fosse devolvido 1%. Ou seja, já que se portaram bem e nos ofereceram o porquinho levem lá um chouricinho e repartam-no o melhor que conseguirem.

Como ficava mal a um governo laico dar esta benesse em plena Páscoa, até porque Sócrates corria o risco de ficar com a alcunha de coelhinho, optou por adiar o mais possível a medida, a redução do IVA ficou agendada para daqui a três meses, o que significa que com uma taxa de inflação que pode chegar aos 3% uma boa parte dessa redução do imposto sobre as transacções já foi absorvido pelo aumento dos preços. Mesmo que tal não sucedesse os consumidores nunca sentiriam os efeitos da redução do IVA a não ser na aquisição de bens de elevado valor, os comerciantes farão o mesmo que os donos dos ginásios, manterão os preços e aumentarão as suas margens.

Se o objectivo desta redução do IVA não fosse do domínio da caridade fiscal mas sim do da política económica visaria o aumento do consumo e, portanto, da procura interna, poderia visar o aumento do emprego. Mas é óbvio não só que 1% é muito pouco para que se sinta o aumento da procura, mesmo no pressuposto de que os comerciantes não tomariam em seu proveito esta redução fiscal. Mesmo nesta perspectiva ter-se-ia que questionar se uma mexida no IRS não seria mais eficaz, no sentido em que se repercutiria directamente no rendimento das famílias sem que houvessem intermediários a aproveitarem-se da situação.

É evidente que esta medida não vai ter impacto nos rendimentos da grande maioria dos portugueses, principalmente daqueles que beneficiaram da positiva na avaliação do desempenho feita por Sócrates, a esses não chegará nem um tostão dos duzentos e tais milhões de euros de redução das receitas fiscais (ou, para ser mais exacto, metade desse montante em 2008 pois a medida só se aplica ao segundo semestre). Não chegará um tostão mas já chegou o discurso de Sócrates e as palavras paternalistas do ministro das Finanças, o que revela a natureza desta medida, foi divulgada para ter impacto eleitoral já que por agora apenas está em vigor o discurso político.

Como estratégia de comunicação a decisão é inteligente pois mata dois coelhos com uma cajadada, o povo ignorante ficou já contente porque teve a ilusão de que os preços vão baixar, daqui a uns tempos o “exército dos comerciantes” vão beneficiar da medida e começar a falar bem de Sócrates, depois de perseguidos pelo rigor do fisco e pelos excessos da ASAE os comerciantes tiveram uma benesse de Sócrates. Os muitos milhares de comerciantes que estão em contacto diário com os milhões de clientes diários são bem mais importantes para a decisão de muitos votos do que todos os opinion makers que escrevem em todos os chamados jornais de referência.