Com um governo que conta com uma maioria absoluta no parlamento e com um Presidente da República que enquanto líder partidário sempre foi governo não é de esperar uma crise política vinda dos palácios governamentais, incluindo os da justiça agora que o Procurador-Geral sabe dizer algo mais do que “pode ser”.
Todavia com a oposição que não temos a ausência de crise política pode dar lugar a uma crise do sistema político, de que já há sinais evidentes. O Governo já não depende dos debates políticos no parlamento para convencer os cidadãos, na ausência de uma oposição credível as medidas do governo passaram a ser avaliadas na rua, se não houverem manifestações ou estas não forem consistentes as medidas passam, se enfrentarem manifestações que convença o primeiro-ministro altera as suas orientações. Isto é, já não são as opiniões dos representantes dos eleitores que supostamente desempenham esse papel no parlamento que contam, os eleitores assumem eles próprios o papel de oposição face à fragilidade dos partidos parlamentares.
O próprio Marques Mendes, incapaz de influenciar a agenda política e enredado nas consequências das suas asneiras já desistiu de ser alternativa política ao fazer oposição a partir das manifestações populares. Já não critica as propostas do governo com base nas suas próprias propostas, anda a reboque das manifestações como sucedeu nos últimos dias.
Se a oposição não consegue convencer os eleitores de que pode ser uma alternativa de poder não é uma oposição e a dois anos das próximas eleições legislativas ninguém acredita que Marques Mendes é um candidato credível a primeiro-ministro, aliás, já ninguém crê que o líder do PSD seja candidato ao que quer que seja. A dúvida já nem está em saber se Sócrates vai renovar a maioria absoluta, se quisermos que as próximas eleições tenham interesse teremos que questionar a que distância poderá Sócrates ficar da maioria de Cavaco Silva. E se é evidente que Cavaco Silva será mais incómodo num segundo mandato do que o vai ser nestes primeiros cinco anos não me admiraria nada que Sócrates sonhe ter uma legitimidade eleitoral que condicione a actuação futura do Presidente da República.
O PSD de Sá Carneiro foi enterrado por Santana Lopes, precisamente aquele que gostava de se armar em seu herdeiro, e o CDS de Freitas do Amaral e Lucas Pires foi incinerado na pira de Paulo Portas. A direita esgotou o modelo herdado da antiga ANP e ainda não foi capaz de se reestruturar ideologicamente, os seus partidos não passam de plataformas de conquistas do poder com alicerces nalgumas elites cada vez mais arredadas na política e numa imensa rede de interesses que misturam a corrupção, o futebol e algumas grandes empresas dos sectores financeiro e das obras públicas.
A ausência de crise política esconde uma profunda crise do sistema político.