Não é hora para falar em vitória, o problema do aborto é demasiado grave para se pensar que alguém ganha o que quer que seja com a sua despenalização, as mulheres que por quaisquer circunstância forem confrontadas com a decisão de abortar não ganham, simplesmente perdem menos. A lei não servia para proibir, servia apenas para humilhar e condenar as mulheres ao aborto clandestino.
Com a alteração da lei abre-se o caminho a um Estado responsável, em vez de se esconder a lei atrás das paredes dos tribunais o Estado é chamar a ter políticas activas para combater o aborto clandestino e agora que tem a obrigação de proporcionar condições para que o aborto seja feito em condições clínicas dignas, tem também a obrigação de fazer um combate sério ao aborto clandestino. Tem também a obrigação de abrir as escolas à educação sexual, promovendo uma sexualidade responsável.
Mas houve quem perdesse, perdeu a Igreja que se viu desautorizada por muitos católicos que fazem uma distinção clara entre o que entendem ser as suas obrigações religiosas e as interpretações medievais que o clero insiste fazer da sexualidade humana.
Perdeu Marques Mendes que começou por apostar no “nim”, deixou o seu partido no meio do pântano e acabou a fazer campanha activa pelo “não” chegando ao ponto de dar o dito por não dito, desaprovando a pergunta formulada no referendo pela qual em duas ocasiões já tinha votado favoravelmente no parlamento.
Perdeu Marcelo Rebelo de Sousa que recorreu ao disparate e ao seu tempo de antena pessoal na RTP para alcançar protagonismo político. Dele foi o argumento mais idiota e desastroso do sim, tão aberrante que só ele o defendeu.
É evidente que está muito por fazer e por discutir, da mesma forma que os partidários do “não” continuarão a sê-lo e legitimamente a lutar pela sua opinião. Esperemos, todavia, que o debate seja sério, que os partidários do não entendam que o resultado deste referendo é mais do que suficiente para alterar a lei, que os partidáriso do “não” entendam que a despenalização é apenas uma pequena parte de um problema que existe e vai continuar a existir.