Os 735,5 milhões de euros de lucros que o Millennium BCP arrecadou em 2006 não me incomodam, é saudável que as empresas são lucrativas ainda que não o seja assim tanto quando os lucros da banca variam na razão inversa do progresso económico. Mas o que me preocupa não é o poder económico detido pelo Millennium BCP ou a grandeza dos seu lucros.
Num país com uma opinião pública facilmente manipulável, com órgãos de comunicação social dependentes dos orçamentos publicitários e políticos muitos sensíveis ao perfume do dinheiro a dimensão destes lucros deve exigir-se que a gestão do Millennium BCP se limite a usar instrumentos de gestão empresarial para maximizar a rentabilização dos seus capitais. Todavia, há sinais de que a gestão dos interesses do Millennium ultrapassam os limites admissíveis parara a gestão de um banco.
Ainda nos últimos dias o Millennium usou o argumento nacionalista na opa sobre o BCP para pressionar o presidente do Banco de Portugal, chegaram mesmo a ser publicadas notícias com origem na costumeira “fonte anónima” para criticar abertamente Vítor Constâncio. Coincidência das coincidências dois dias depois Cavaco Silva discursou em defesa da permanência dos centros de decisão económica em Portugal. Mas ninguém questionou qual a participação dos capitais estrangeiros (32,70%) no Millennium BCP, como se este fosse um banco exclusivamente português.
Basta acompanhar atentamente a nossa comunicação social para se perceber que quando estão em causa os interesses da banca, ou do BCP em particular, aparece um verdadeiro enxame de jornalistas e comentadores em defesa do banco. Muitos dos nossos comentadores são juristas que terão muito a ganhar se o seu nome constar no portfolio de consultores e advogados de bancos como o Millennium e quando os interesses da banca são postos em causa fazem procissões à porta das TV à hora dos telejornais. A influência do Millennium tem sido evidente, por exemplo, na campanha muito bem desenhada para forçar José Sócrates a renovar a comissão de um dos seus quadros à frente da DGCI, basta ver quais os jornais envolvidos e os comentadores que aparecem em sua defesa.
Isto não sucede por acaso, se tivermos em consideração o peso dos impostos é no fisco que mais se joga a rentabilidade do Millennium, quanto menos impostos pagar mais serão os lucros depois dos impostos. Não é por mero acaso que o Millennium tem à frente do seu contencioso fiscal uma das personagens mais influentes no fisco, aquele que foi o homem forte do gabinete de Oliveira e Costa (BPN) quando este desempenhava o cargo de Secretário de Estado do Orçamento (que nesse tempo incluía a pasta do fisco) e que deverá ter nomeado mais chefias no fisco do que muitos directores-gerais, para não dizer vários directores-gerais juntos. O director do contencioso do Millennium ainda hoje tem o estatuto de divindade para muitos altos quadros do fisco, que lhe devem o sucesso nas suas carreiras.
Veja-se, por exemplo, o caso que foi divulgado no Correio da Manhã no passado dia 26 de Janeiro e que no sábado passado foi retomado pelo semanário Sol, a informação de que havia altos quadros da DGCI que recebem mais de 25.000 euros anuais de instituições financeiras. É o pena que os jornais não nos tivessem dito que ou quais as instituições financeiras que pagam tanto a título de formação. E nem quero acreditar na hipótese de ser o Millennium BCP pois isso conduzir-nos-ia a alguns processos manhosos que permitiram a este banco poupar muitos milhões em impostos, chegando mesmo a receber outros tantos em reembolsos de IVA de legalidade duvidosa. Parece que estão a decorrer auditorias, mas será que estas auditorias vão fazer o levantamento dos pagamentos por bancos a funcionários que intervieram em processos que beneficiaram bancos? É pouco provável até porque os auditores têm poderes limitados para que possam conduzir qualquer investigação séria.
É bom que as empresas portuguesas, incluindo os bancos, sejam competitivas e tenham lucros, mas no caso de bancos com a dimensão do Millennium BCP isso implica uma clara separação entre estes e os poderes públicos. Se esse poder for usado sem que lhe sejam colocados quaisquer limites a democracia é um mero exercício para os portugueses se entreterem, quem mandará efectivamente em Portugal será o Paulo Teixeira Pinto e confesso que pelo seu passado político é uma personagem que me deixa muito pouco tranquilo.
A ausência dessa separação entre poderes públicos e o Millennnium BCP, cujo sinal mais evidente é a gestão da DGCI, é um risco para a democracia e uma violação grosseira das suas regras. Coincidência ou não a justificação dada é a salvação das contas públicas, exactamente a mesma que justificou a ditadura de Salazar, como se o combate ao défice fosse impossível sem prescindir dos princípios que devem presidir a um Estado de direito.