Enquanto Sócrates parecia cair nas graças do eleitorado Cavaco aceitou uma posição subalterna, colou-se à imagem do primeiro-ministro, os seus assessores mantiveram-se em silêncio, até elogiava as reformas promovidas por José Sócrates, incluindo a da Educação, usava-as de forma vaidosa nas suas viagens ao estrangeiro. Nunca foi solidário nos momentos difíceis, limitou-se a colar-se aos sucessos de Sócrates.
Com a crise financeira Cavaco mudou radicalmente, Manuela Ferreira Leite e a demais tralha cavaquista que andava dispersa e sem objectivos políticos animou-se, os assessores de Belém saíram do anonimato para ajudarem à eleição da antiga directora-geral da Contabilidade Pública, o único cargo público onde a actual líder do PSD poderá ter tido uma nota acima da negativa.
Com a chegada de Ferreira Leite à liderança do PSD Cavaco Silva mudou a sua estratégia, passou a acumular as funções de presidente da República com as de presidente vitalício do PSD, o tal PSD do qual se desvinculou tal como tanto disse no debate com Soares durante a campanha das presidenciais. Enquanto com Marques Mendes Cavaco tentava impor ao país a partilha do poder pelo PSD com recurso a pactos de regime, com Manuela Ferreira Leite e a crise financeira já a provocar estragos Cavaco Silva passou a usar o argumento dos consensos alargados para vetar todas as decisões do Parlamento que não lhe agradassem ou que fossem contra os interesses estratégicos do PSD. Sempre que Ferreira Leite protestava contra uma votação parlamntar Cavaco vetou ou questionou os diplomas, a não ser em questões menores.
A partir do momento em que acreditou que Sócrates poderia perder a maioria absoluta Cavaco começou a alinhar com as posições de Ferreira Leite, chegou-se ao ridículo institucional de deixar que Ferreira Leite antecipasse as suas intervenções políticas ou de tornar suas as posições políticas de Manuela Ferreira Leite. A partir daí sempre que Manuela Ferreira Leite espirrava era declarada a gripe em Belém, o extremo do ridículo ocorreu agora com a suposta compra da TVI pela PT.
Enquanto Manuela Ferreira Leite era administradora não executiva do banco Santander Cavaco Silva não questionava as obras públicas, limitava-se a meter grãos no processo de decisão política, como sucedeu com a localização do aeroporto, nunca questionou a sua necessidade nem a capacidade de o país o financiar, optou por questionar a sua localização. Em relação às restantes obras públicas, como o TGV, nunca as questionou. Com Ferreira Leite em líder do PSD o presidente passou a considerar mais importante para o desenvolvimento do país a construção de estradas para carroças de burros do que quaisquer outras vias de comunicação. Se há coisa que Cavaco Silva sempre apreciou foram as grandes obras, porque mudou de opinião? O caso do financiamento da SOMAGUE à campanha eleitoral de Durão Barroso e Ferreira Leite diz tudo, quando o PSD voltar ao poder vamos perceber que Cavaco não é assim tanto a favor daquelas estradinhas que Salazar mandava construir.
Mais do que presidente da República Cavaco é neste momento o líder do PSD usando as suas competências para manipular a opinião pública. Veja-se a forma como se tem comportado em relação aos casos BPN e Freeport. No caso BPN usou toda o poder da instituição para que em má hora foi eleito para proteger um dos maiores responsáveis do BPN, até hoje Dias Loureiro nem sequer foi incomodado pelos investigadores e não há o mais pequeno sinal de evolução nas investigações. No caso Freeport chegou a chamar a Belém o representante sindical dos magistrados, passando pró cima do Procurador-Geral da República.
Cavaco tem um projecto pessoal para cuja concretização a democracia é meramente instrumental, Cavaco quer ficar na história como um grande político, algo que nunca foi nem será, limitou-se a surfar nas circunstâncias, a usar os poderes que teve para gerir a sua imagem e poder. Cavaco não tem ideologia nem projecto político, o seu projecto é o de um rural de Boliqueime deslumbrado com o poder que sonha tê-lo de forma absoluta graças a uma democracia que apesar dos seus trinta anos ainda gera não tem anti-corpos suficientes para rejeitar falsos salvadores da Pátria.
PS: a partir desta data neste blogue “Presidente da República” passa a escrever-se com letra pequena, pela actuação partidarizada de Belém o termo não merece a utilização de maiúscula, o actual inquilino de Belém é um presidente menor na curta história da democracia portuguesa.