segunda-feira, maio 26, 2008

Consumidor ou proletário?


A raiz ideológica de todos os movimentos designados de esquerda assenta no conceito de luta de classes, o socialismo, sociedade de referência para todos estes movimentos, é uma sociedade perfeita porque é uma sociedade sem classes onde supostamente os homens não são explorados. É na definição do percurso que surgem as diferenças entre a corrente social-democrata e os comunistas, todavia, no plano reivindicativo não há grandes diferenças, basta ver a presença de militantes do PS na CGTP ou algumas exigências da chamada ala esquerda deste partido.

Para a esquerda mais conservadora as conquistas resultam da luta e não da presença no governo, as “grandes conquistas dos trabalhadores”, por cá designadas conquistas de Abril, só podem ser conquistadas pelas lutas dos trabalhadores conduzida por uma suposta auto-denominada liderança. O PCP é o partido do proletariado.

Talvez por isso a esquerda prefira grandes manifestações para conseguir aumentos de mais um ou dois por cento do que promover a luta enquanto consumidores. A verdade é que os portugueses são mais “explorados” enquanto consumidores do que enquanto trabalhadores. Só que aceitar esta realidade seria meter a ideologia de pernas para o ar, mesmo que Marx não pudesse adivinhar que os proletários de hoje usariam cartão Visa, teriam casa própria com dois carros à porta, utilizariam telemóveis, PC e internet fixa e móvel, teriam depósitos a prazo e títulos do tesouro e até poderiam comprar acções da empresa do patrão.

Se fizermos as contas ao que cada família pode ganhar se todos os bens e serviços que consomem fosse adquiridos num mercado concorrência, concluiremos que é muito mais do que os aumentos dos rendimentos resultantes de qualquer luta. Somos consumidores de serviços públicos mal geridos que têm custos elevados suportados com taxas e impostos, somos consumidores de uma infinidade de bens e serviços pagos a preços mais elevado do que os que resultariam de um mercado com concorrência.

Comparem-se os preços dos automóveis antes dos impostos praticados em Espanha e em Portugal, ou as taxas praticadas nos nossos bancos e as praticadas no resto da zona euro, para dar só dois exemplos não influenciados por diferenças cambiais ou de tributação. Compare-se o preço da carne no matadouro com o da carne vendida nos talhos, ou o preço do peixe na lota com os praticados nos mercados.

Só que esta abordagem é maldita para a esquerda conservadora, significaria reconhecer as vantagens de um mercado concorrencial na distribuição dos recursos e na formação dos preços, seria centrar a luta na defesa de todos os cidadão e não apenas dos “explorados”, seria abdicar de culpar os governos de todos os males do mundo. Por isso é melhor organizar uma greve geral para exigir mais um por cento de ordenado do que combater as práticas comerciais oportunistas que nos roubam muito mais. Por isso é mais cómodo culpar o ISP do preço dos combustíveis e exigir a sua redução do que questionar a transparência e concorrência no mercado dos produtos petrolíferos.

Por mim prefiro o estatuto de consumidor ao de proletário, que não sou já que no tempo de Karl Marx os funcionários públicos quase não existiam e Lenine descobriu que a melhor forma de construir o socialismo era transformar tudo em estado, pelo que sou antecipadamente um habitante já socializado. A verdade é que estou mais preocupado com a GALP enquanto vendedora de combustíveis caros a dez milhões de portugueses do que com a GALP patrão de quinze ou vinte mil empregados que ganham acima da média dos trabalhadores portugueses.
Talzez seja tempo de em vez de dizer “proletários de todo o mundo uni-vos” propor “consumidores de todo o país uni-vos”.