quarta-feira, maio 28, 2008

A pobreza irritante


Quer os políticos do governo gostem ou não a pobreza existe e os políticos da oposição que não comecem a festejar pois o problema subsistirá por muito tempo. Não vale a pena os governantes mascararem a realidade com abonos de família, nem os opositores converterem-se repentinamente a Madres Teresas de Calcutá porque a pobreza não se combate nem com publicidade nem com paliativos, não basta haver dinheiro para comprar meia-dúzia de papo-secos ou prometer que se dá dinheiro suficiente para uma dúzia que se resolve o problema, poderão conquistar-se alguns votos a pobreza persistirá.

A população agrícola foi brutalmente reduzida, as formas de economia de subsistência foram literalmente varridas da economia em nome do progresso, da calibragem das frutas e das normas comunitárias. Agora até nem é possível oferecer dois frangos a uma instituição de assistência social não vá a ASAE aparecer com os seus ninjas e apreender a criação e multar a instituição, tudo isso com directos a partir dos carros de exteriores das televisões.

Não basta construir grandes obras, os agricultores rapidamente convertidos em serventes de pedreiro irão parar a uma barraca nos subúrbios de uma qualquer cidade e logo que ocorra a primeira crise serão convertidos em novos pobres. O mesmo modelo de desenvolvimento que transformou Cavaco Silva no herói das obras públicas, e que tanta ajuda tem dado aos governos na hora das eleições gera tanto progresso como pobreza, cria tantos novo-ricos como novo-pobres.

Queiram ou não a pobreza vai continuar a existir, até poderá ser escondida atrás de biombos feitos de subsídios e bairros sociais, mas o problema persistirá. Haverão sempre as vítimas de uma modernização feita a pensar em estatísticas, haverão sempre os que não acompanham as exigências de uma sociedade competitiva, feita a pensar apenas nos mais fortes, haverão sempre os que serão derrotados pelas exigências higiénicas adaptadas pelo inspector-geral da ASAE ou por um qualquer upgrade tecnológico. As economias de sucesso terão sempre as vítimas do insucesso.

A pobreza não se resolve com medidas pontuais nem com a Manuela Ferreira Leite armada em Madre Teresa de Calcultá, combate-se com políticas consistentes, com a permanente preocupação de evitar os efeitos perversos de cada nova medida política. Quer os políticos gostem ou não a pobreza existe e veio para os irritar.

É preciso que os governantes europeus e, em particular os portugueses, percebam que a pobreza tem de ser combatida com políticas sérias e não com medidas para iludir relatórios e eleitores. Não vale a pena irritarem-se ou ficarem eufóricos com os artigos do Mário Soares, há pobreza que chegue para irritar os que agora são governo e os que irão suceder-lhes, há pobreza que baste para todos.