Estão criadas as condições para uma grave crise alimentar internacional, os stocks de produtos alimentares estão próximos do zero, os preços dos produtos agrícolas sobem continuamente, o dólar desvaloriza reduzindo as receitas das exportações dos países mais pobres. Neste momento o mundo enfrenta dois problemas simultâneos nos mercados agrícolas, a alta dos preços de que se tem falado muito na comunicação e a escassez devida à rotura de stocks, de que se tem falado menos mas que pode ter consequências graves.
Bastará uma quebra de produção devido a razões climáticas ou o aumento da procura por parte das economias emergentes para que os países mais pobres tenham que enfrentar o problema da fome. O que agora é sub-nutrição transforma-se rapidamente em fome generalizada nos países mais pobres da África, Ásia, América Latina e mesmo da Europa.
Mas, ao contrário do que resulta das intervenções de alguns responsáveis políticos, o problema não se circunscreve aos países mais pobres ou apenas a uma questão de preços. Ainda recentemente o ministro da Agricultura veio tranquilizar os mercados e justificar este aumento dos preços. Compreende-se a sua posição, quanto mais os agricultores ganhem mais felizes estarão os seus “clientes”, o aumento dos preços agrícolas veio reduzir o mal-estar no sector. Os agricultores que receberam subsídios para deixarem de produzir beterraba e passaram a produzir cereais tiveram a sorte grandes, os grandes produtores que andavam em manifestações viram o seu produto vendido ao dobro do preço.
O problema é que em Portugal há muito pobres, para muitos portugueses que ganham o salário mínimo, que vivem de pensões miseráveis ou videm, que recebem subsídio de desemprego ou que vivem do rendimento mínimo uma boa parte dos parcos rendimentos é gasto em alimentação, para muitos o que sobra é para a compra de medicamentos. Estes portugueses não conseguirão suportar aumentos de preços da alimentação, por mais que o ministro os considere justos na perspectiva da remuneração dos agricultores.
É neste contexto que a redução do IVA em 1% que o governo decidiu apenas com objectivos eleitorais foi um erro. O governo deveria ter avaliado a situação e reservado os recursos disponíveis para acorrer a uma situação de crise cujos contornos começam a ser evidentes, essa redução do IVA que não terá qualquer impacto na economia poderia ser o suficiente para responder a sua situação de crise, aumentando os rendimentos dos mais pobres através de um aumento nas pensões mais baixas, do rendimento mínimo ou dos subsídios de desemprego.
Poder-se-á dizer que o governo ainda tem margem de manobra mas, apesar de o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais andar por aí armado em caga-milhões a prometer mais descidas do IVA, a verdade é que se arrisca a ter que explicar o aumento do défice, basta olhar para as receitas fiscais do primeiro trimestre de 2004 para se perceber que já são evidentes os resultados desastrosos da sua gestão.
Fome em Portugal? Não é a primeira vez que tal sucederia nos anos mais recentes, recorde-se que durante o governo de Cavaco Silva as bandeiras negras foram moda e foi mesmo necessário recorrer a operações de ajuda alimentar para acorrer a situações mais críticas no sul do país, designadamente, no Alentejo.