Jardim Zoológico de Lisboa
Cavaco Silva
Faço parte dos muitos que gostavam de Eusébio e não nutriam simpatias especiais por Saramago, mas os sentimentos de simpatia não podem iludir a realidade e não é pelo facto de as massas serem mais dadas a ver chutos na bola do que a ler os livros do prémio Nobel que devemos valorizar o primeiro em relação ao segundo.
Eusébio tinha um dom físico natural e a importância do futebol à escala nacional e internacional deu-lhe uma importância e protagonismo que outros dotados não têm. Acresce a isso a personalidade bondosa de Eusébio e a sua dedicação em décadas a Portugal e ao seu clube.
Mas de um Presidente da República-se espera-se mais do que de um vulgar fã do futebol e é impossível não comparar o comportamento de Cavaco Silva aquando da morte de Saramago e a forma como se aproveitou da morte de Eusébio para aliviar a sua pobre imagem política.
Enfim, tanto Eusébio como Saramago mereciam melhor, muito melhor do que este provincianismo cheio de ódios e oportunismos, mereciam ser tratados com classe e com a dignidade que a dimensão de ambos exigia.
PS: Tenho de confessar que a comunicação de Cavaco me ia levando ás lágrims, com comunicações destas e condecorações ao Ronaldo o condómino da Quinta da Coelha ainda me transforma num dos seus maiores admiradores.
Saramago teve dois dias de luto nacional, Eusébio tem três. Mas Saramago não ficaria zangado, era benfiquista.
Há poucos dias era Cavaco a dizer que Ronaldo é um símbolo nacional, agora é Seguros e mais alguns a atribuírem a Eusébio esse estatuto. Não será leviandade a mais usar o estatuto de símbolo nacional para elogiar seja quem for?
«1-Segundo o Presidente da República, para que possamos ter acesso a dinheiro emprestado a juros razoáveis é essencial que a conclusão do programa de ajustamento seja feita com sucesso. Deixemos agora de lado os sucessos que foram o desemprego, a emigração em massa, a deterioração de serviços essenciais, as falências, a inexistência de reformas estruturais, o reforço do papel do Estado nos principais sectores de atividade, o aumento da dívida, o confisco fiscal, o assalto aos reformados, para que não fosse cumprido um único objectivo orçamental. Se chegarmos a Maio sem sermos sujeitos a um segundo resgate e o Governo, o Presidente da República e a troika desatarem a gritar que a conclusão do programa foi um sucesso, quer dizer que foi um sucesso. Tudo o resto não interessa, mesmo que o programa cautelar nos imponha ainda mais austeridade, mesmo que as contrapartidas para esse seguro forem maiores do que as dum segundo resgate, mesmo que o País esteja de rastos, mesmo que o ajustamento dure décadas, temos de ir todos dançar em redor do relógio de Paulo Portas: eis a estratégia do relógio.
Com a declaração de falhanço da estratégia de Gaspar, feita pelo próprio, era preciso outra. Chegou há pouco tempo, foi inventada pelo irrevogável ministro, e o Presidente da República aderiu entusiasticamente.
Ora, para que esta estratégia resulte num fantástico sucesso, leia--se chegarmos a Maio sem segundo resgate, é preciso, segundo Cavaco Silva, salvaguardar o Orçamento do Estado, esse documento da "maior relevância". Esqueçamos também que a probabilidade de Paulo Portas respeitar a sua palavra é maior do que chegarmos ao fim de 2014 com 4% de défice, ou seja, estamos perante um orçamento ficcional. Finjamos que não sabemos que não haverá segundo resgate em nenhuma circunstância, não por obra e graça do Governo ou do genial programa de ajustamento, mas porque pura e simplesmente a Europa jamais assumiria o seu próprio fracasso.
Exige-se, porém, a "máxima ponderação e bom senso, um sentido patriótico de responsabilidade", a todos os agentes.
Que o Presidente ache que eu ou qualquer outro agente, cidadão ou instituição, é um irresponsável, um destituído de bom senso e sem amor à pátria, se pensar que este orçamento é péssimo para o País e que nem sequer vai atingir os objectivos a que se propõe, vá que não vá. Não é muito simpático ser insultado pelo nosso máximo representante, mas, francamente, Cavaco não nos tem feito outra coisa e à nossa inteligência nos últimos anos.
E se, por hipótese, o Tribunal Constitucional declarar inconstitucionais partes do orçamento, devemos entender que são os juízes que nos estão a atirar para a "continuação da política de austeridade e a deterioração da credibilidade e da imagem de Portugal" inerentes, segundo o Presidente, a um segundo resgate? Será que os juízes irão agir com ponderação, bom senso e amor à pátria? Cuidado juízes, segundo o Presidente pode haver um Miguel Vasconcelos em cada um de vós. Quererá o Presidente da República dizer que a Constituição se deve sujeitar à definição de bom senso feita por ele próprio?
O Presidente acha que quem não comprar a estratégia do relógio não é patriota. Que quem não pensar como ele não está "à altura do momento crucial" que vivemos. Não falta gente que acha que é ele que não está à altura do momento, que é ele que não mostra bom senso, ponderação e sentido patriótico de responsabilidade. Eu sou um deles.
2-É muito difícil perceber como é que o Presidente da República Portuguesa não fala da Europa e dos problemas europeus, quando fala aos portugueses. E logo numa ocasião em que (enfim...) define metas, aborda assuntos que define como essenciais e fala em compromissos e consensos.
A decisão de não falar da Europa pode ter uma das seguintes razões: ou Cavaco Silva pensa que podemos resolver todos os nossos problemas sem que os decisores europeus sejam tidos ou achados, ou pura e simplesmente não sabe o que há-de dizer ou acha que está tudo certo na política europeia e, logo, não há nada a acrescentar. Convenhamos, nenhuma das opções é de modo a deixar o cidadão descansado. Mas, o que mais assusta é sabermos que o nosso representante pode não perceber que não há solução para a nossa situação sem que a Europa mude de políticas e que, se não as mudar, iremos regredir economicamente e sobretudo socialmente várias décadas. Ou então sairmos do euro e da Europa que ainda nos faria regredir mais.
O Presidente que em Florença, em Outubro de 2011, tinha uma ideia para a Europa, o Presidente que ainda o ano passado dizia que tínhamos argumentos para exigir o apoio dos nossos parceiros europeus, foi tomado pelo provinciano Cavaco Silva. É preciso ter azar.» [DN]
Pedro Marques Lopes.