sábado, novembro 11, 2006

As Saudades que Eu Já Tenho Do Meu Rico Escudinho


Deu-me uma crise de nostalgia, de repente tenho saudades do tempo do escudo.

Tenho saudades de quando as empresas têxteis estavam em dificuldades e graças às desvalorizações até com os chineses seriam capazes de concorrer. Tenho saudades do tempo em que a inflação tinha dois dígitos e o primeiro era o dois. Tenho saudades de quando não havia problemas orçamentais, nunca faltava dinheiro ao Estado, o único problemazinho que tínhamos era a balança comercial.

Era um tempo simpático, tão simpático que até o PSD era socialista, o Carrapatoso ainda andava no liceu, o Cavaco tinha sotaque de Boliqueime, e o Jerónimo de Sousa ainda era metalúrgico.
Que maravilha de tempo esse, se a coisa dava para o torto na balança comercial acordávamos com uma desvalorização, coisa que nem ocupava o tempo do café em discussão, a nossa indústria passava logo a ser competitiva e durante uns dias o nosso dinheiro mesmo desvalorizado ainda valia mais do que o dólar, pelo menos enquanto havia stocks.

E se ninguém pagava impostos bastava acelera um pouco mais as rotativas da Casa da Moeda que o problema se resolvia, nem empresas nem trabalhadores se queixavam dos impostos, não havia nem evasão fiscal nem devedores ao fico em listas na Internet, aliás, não havia Internet, coisa que só foi inventada muito mais tarde graças ao Simplex.

Com a inflação nos dois dígitos e aumentos na mesma proporção, depois de doze meses a apertar progressivamente o cinto passava dois com a sensação de nadar em dinheiro. Andávamos felizes, se os trabalhadores se faziam greves era mais a pensar na revolução do que na devolução do que tinham perdido, os sindicatos iam de vitória em vitória.

Agora é uma seca, para que as empresas ganhem produtividade temos que apertar o cinto, se não pagam impostos temos que apertar o cinto, se o Estado gasta em excesso temos que apertar o cinto. A política económica já não tem graça, não passa de uma escolha adequada do buraco do cinto mais adequado às circunstâncias.

Até as notas de escudo eram mais simpáticas, tínhamos lá os nossos heróis e não a mistura da Ponte Vasco da Gama com a Torre de Piza. Não valiam muito mas tínhamos muito orgulho nelas, até eram das mais bonitas do mundo, e se não fosse o Alves dos Reis até eram as mais seguras, não valiam muito mas eram seguras, não se desfaziam como as notas de Euro, como sucedeu na Alemanha.

Tenho saudades do escudo, era Ada vez mais pobre mas ao menos empobrecia feliz e sem dar por isso.