Se um político português se tivesse dirigido a outro nos mesmos termos em que a futura presidente do Congresso dos EUA se referiu a Bush era o ai Jesus, a senhora seria tratada de cabra para cima e até os jornalistas ficariam corados na sua presença. Mas quando um primeiro-ministro português aproveitou um boato para colocar um cartaz em todos os cantos do país e aproveitou um debate televisivo para lançar insinuações sobre o candidato adversário, lá se foram os bons valores da nossa direita, e não me recordo de nenhum dos nossos ilustres pensadores escreverem grandes artigos.
Já assisti a debates no parlamento regional do Quebeque e se aquilo sucedesse na nossa AR era um escândalo, mas sucede que no Quebec o civismo até impressiona, quase nem fumava por sentir vergonha de atirar a cinza para o chão. Mas no nosso país não falta por aí quem lve o cão a fazer o seu cocó na porta do vizinho.
Comparado com o do Quebeque o nosso parlamento parece uma associação de virgens, não há sessão que não seja interrompida sistematicamente com interpelações para defesa da honra.
A nossa elite política, e nessa elite junto políticos, jornalistas, opinion makers e todos o que influenciam a política de forma directa ou indirecta, tem vindo a impor um padrão de falsa moralidade no debate político. Se um político diz a maior barbaridade, fazendo de nós parvos não podemos dizer “vai bugiar”, devemos identificar-nos e pedir a palavra para dizer-lhe «Peço desculpa por incomodar Vossa Excelência, mas permita-me que discorde ligeiramente do que disse.».
Mas esse direito de discordar das Suas Excelências é coisa reservada às elites, os outros, os cidadão anónimos, que só aparecem nos telejornais quando as suas baboseiras são úteis ou quando morrem mais de três numa auto-estrada, não têm direito a expressar a opinião. Mas agora surgiram os blogues, e as coisas estão a mudar.
E então o tal cidadão anónimo que os políticos só conhecem através das sondagens começou a berrar o que pensa por essa web fora e, como alguns dos nossos políticos, também dão golpes baixos, e entra tudo em pânico porque vem aí o perigo dos anónimos. Os anónimos que quando estavam calados eram uns tipos simpáticos, passaram a ser um perigo público, não obedecem às regras estabelecidas, tentam subvertê-las através do anonimato.
O corrupto que foi branqueado porque teve poder para impedir qualquer investigação e depois de enriquecer é tratado como senador da república ficou nervoso, alguém que não aprendeu ou se borrifou para as regras da etiqueta chama as coisas pelo nome num blogue anónimo.
O cidadão anónimo que até aqui era uma figura simpática, mesmo que contasse ao vizinho tudo o que se sabe sobre este ou aquele político, que este é corrupto ou que o outro arranjou um emprego à amante, agora é o perigoso autor de um blogue anónimo, um subversivo, um perigo terrorista que usa a web para atacar indiscriminadamente.
O anónimo não deve ter opiniões, não deve ultrapassar as fronteiras do anonimato. Para falar em público é necessário respeitar as regras de etiqueta que tão bem têm protegido alguns doa maiores corruptos e oportunistas deste país. Somos um país de gente pobre, mas lavadinha, como convém.