Seguindo esta lógica do pensamento cavaquiano teríamos de concluir que os três dias que o Presidente da República dedicou a missas e procissões com o Papa Bento XVI são justificados porque graças aos seus vastos conhecimentos de política económica Cavaco Silva apostou em missas e rezinhas para ajudar o país, cumprindo assim a mais importante promessa eleitoral que fez nas presidenciais. Compreende-se, portanto, que na despedida do Papa, na cidade do Porto, lhe tenha pedido que pensasse no nosso país durante as suas orações. Basta consultar a sua agenda para se saber que a agenda presidencial dos dias 11, 12 e 13 foram integralmente dedicados ao Papa. ENfim, que seja o que Deus quiser...
Um segundo argumento usado ontem por Cavaco Silva, para justificar a promulgação do diploma em vez de o devolver ao parlamento, foi o da “ética da responsabilidade” . Argumento estranho pois nem as empresas de rating estão preocupadas com o casamento gay, nem um segundo debate sobre o tema conduziria a uma guerra civil ou a uma clivagem que inviabilizasse a solução dos problemas económicos e muito menos a interromper um debate sobre a crise. Neste caso há uma grande coincidência entre aquilo a que Cavaco designa pela “ética da responsabilidade” e os seus objectivos eleitorais, os portugueses não ficariam mais divididos do que estão, os homossexuais é que não votariam em Cavaco Silva nas próximas presidenciais.
Desde que Sócrates perdeu a maioria absoluta que Cavaco dá uma grande importância ao parlamento, não se compreendendo porque razão ele acha que os temas que dividem os portugueses não devem ser voltar ao parlamento. É precisamente porque há clivagens e divisões que existe um parlamento, se assim não fosse existiria uma “Assembleia Nacional” de má memória. É curioso como Cavaco Silva não devolve o diploma ao parlamento porque sabe que será aprovado, sofrendo uma derrota política e tendo que enfrentar o ódio dos homossexuais, mas quando esteve em causa o regime das uniões de facto Cavaco optou por uma solução contrária por saber que o tema só seria discutido depois das eleições, como ele próprio argumentou. Isto é, o parlamento só é útil e o local adequado para os problemas serem discutidos se houver uma maioria favorável às opiniões de Cavaco Silva.
Um terceiro argumento usado por Cavaco Silva foi a necessidade de evitar clivagens na sociedade portuguesa. Não se entende este argumento quando é o próprio Cavaco Silva que não devolve o diploma ao parlamento porque seria de novo aprovado, isto é, ficamos sem perceber muito bem se para Cavaco as clivagens se medem pelas conversas de café, pelas sondagens ou pela representação parlamentar.
Mas se lermos a nota emitida quando o diploma das uniões de facto foi vetado a palavra mais usada foi debate aprofundado. Ora, tanto quanto sabemos a situação económica não seria muito melhor, poderia ser para um leigo mas não para um professor de economia.
Não está em causa o casamento gay ou as convicções de Cavaco Silva, o que está em causa é a necessidade de o debate político dever ser feito com melhores argumentos e com coerência. Não se pode num dia questionar o aeroporto de Lisboa por causa da sua localização e uns tempos depois defender-se a sua não construção. De um Presidente da Repúblicas esperam-se convicções e posições de princípios e não decisões em função de conjunturas políticas, económicas ou eleitorias. O interesse do país está acima de todos, incluindo Cavaco Silva.