Pode-se, evidentemente, cortar a direito, mas se nada for feito ao nível dos ministérios daqui a nove meses os serviços estarão sem dinheiro. Nessa altura os mesmos políticos, comentadores e jornalistas que agora bradam por cortes na despesa serão os primeiros a protestarem porque não há gasóleo para os submarinos, porque os carros da polícia estão parados por falta de gasolina, porque os alunos tremem de frio nas escolas por falta de aquecimento, porque o administrador de um hospital público dificultou a compra de um novo medicamento por ser caro. Passam dois meses a exigir cortes na despesa e os outros dez a protestar pelas consequências da falta de dinheiro nos serviços públicos.
Há quatro domínios que consomem uma boa parte dos recursos públicos, a saúde, a segurança, o ensino e os apoios sociais, exigir cortes significativos da despesa exige uma redução dessa despesa num ou em vários destes domínios. Mas quem teve a coragem de fazer propostas concretas? A outra solução para reduzir despesa reside em cortar nos vencimentos dos funcionários públicos ou despedir parte deles, não falta mesmo quem defenda estas medidas em privado, todavia, quem teve a coragem de as propor em público a não ser comentadores profissionais cujo futuro não é afectado pelo que dizem?
A outra solução para reduzir o défice é aumentar os impostos e isso é possível pela alteração das taxas dos impostos ou pela redução dos benefícios fiscais que se acumularam ao longo dos anos de vacas gordas. Mas aumentar impostos por via das taxas leva a que sejam sempre os mesmos a pagar a crise, resta mexer nos benefícios fiscais o que, aliás, está previsto no PEC. Só que mexer nalguns benefícios fiscais implica perda de lucros para os empresários que têm os seus negócios assegurados pela venda de bens e serviços que beneficiam de deduções fiscais. Sempre quero ver se na hora de aumentar os impostos Pedro Passos Coelho opta por tramar os cidadãos aceitando mexidas nas taxas ou prefere tramar os empresários do costume, até agora fala muito mais em não mexer nos benefícios do que nas taxas, porque será?
O orçamento é obra dos governos mas quer os partidos, quer os cidadãos têm uma palavra a dizer e isso não significa dizer sim ou não, implica propostas. Se não se pode exigir ao cidadão comum que as apresente o mesmo não se pode dizer em relação aos partidos pois foi para isso que os deputados foram eleitos. Aliás, há partidos que fazem propostas concretas como é o caso do PCP, podemos não concordar com as suas propostas mas têm o mérito de concretizarem as suas posições política.
Não é aceitável que o maior partido da oposição não tenha coragem de avançar com propostas concretas, mesmo depois de ter negociado um PEC onde aceitou algumas das medidas que agora recusa estão previstas. Não se pode brincar com o orçamento como se brincou com as SCUT, se não se concorda com as medidas do orçamento devem ser apresentadas propostas para alcançar as metas previstas no PEC com que se concordou.
Em tempo de crise financeira mundial o país não pode andar a brincar às sondagens e aos anteprojectos de anteprojectos de revisão constitucional. As crises não se superam com cobardia e oportunismo.